terça-feira, 15 de abril de 2014

POLITICANDO

Positivismo e ditadura

         
          Nos programas sobre os 50 anos do golpe de 64 assisti alguns supostos historiadores, repetirem um discurso, de que havia um grupo "democrático" dentro dos golpistas e outro "linha dura", como se eles fossem duas coisas diferentes. Pura bobagem. O golpe militar já vinha sendo gestado há décadas e as diferenças entre seus principais atores eram puramente cosméticas.
         As últimas revelação de que Geisel sabia das torturas e assassinatos, e Figueiredo do atentado ao Rio Centro, apenas confirmam aquilo que todos suspeitavam; de que todos eram parte de um grupo que assaltou o poder no Brasil em nome de uma pretensa superioridade das forças armadas (em relação aos civis) para governar.
         Mas de onde veio esta convicção de que os militares eram uma espécie de reserva moral da pátria, que ainda se vê até hoje circulando pela internet? Para entender isto temos que voltar ao final do século XIX, e ao episódio da proclamação da República. E o homem-chave para desvendar essa questão se chama Benjamin Constant.

           Nascido em 1836, em Niterói, Benjamin Constant entrou para o exército em 1852, e no ano seguinte ingressou na Escola Militar. Tornou-se aluno do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro, onde se formou professor de astronomia, doutor em matemática e física, sendo um grande admirador de Augusto Comte e defensor do positivismo no Brasil. Fundou a Escola Normal Superior e em 1854, já lecionava na escola militar e no fim do Segundo Império fundou o Clube Militar, do qual tornou-se presidente, influenciando o pensamento da oficialidade do exército brasileiro na defesa do abolicionismo e dos ideais republicanos sob a ótica do positivismo.
           Foi elevado para o posto de major em 1855, e a tenente em 1888, logo Coronel. No dia da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, esteve diante das tropas que executaram o golpe e derrubaram o Segundo Império. Depois da Proclamação da República, foi promovido a General de Brigada e logo depois a General, ainda jovem.
           Integrou o primeiro governo republicano como Ministro da Guerra, e posteriormente como Instrutor público e responsável pelos Correios e Telégrafos. Faleceu em 22 de janeiro de 1891.
           Como se pode ver, Benjamin Constant foi o ideólogo por trás do golpe militar que proclamou a República, em 1889, e teve grande influência na formação do corpo de ideias que passaria a orientar os oficiais brasileiro, na Escola Superior das Forças Armadas. Suas convicções positivistas influenciam até hoje nossas forças armadas e tiveram grande impacto sobre a história do Brasil moderno.
            Mas o positivismo foi uma ideologia falida, que não vingou em lugar nenhum do mundo (a não ser no Brasil). Seu problema principal  é que ao dividir a civilização em três estágios, o teológico, o metafísico e o positivo, considerado o estágio final da evolução humana, despreza a filosofia como origem das ideias.
            O estágio teológico seria o primitivo, onde os humanos adoravam as forças da natureza e viviam em total ignorância, temendo o fogo, os raios e trovões e inventando deuses para explicar seus medos.
           O estágio metafísico seria o atual, onde crenças religiosas conviveriam com a ciência na busca da explicação da origem da vida e dos fenômenos naturais.
           O estágio positivo seria o momento em que a ciência triunfaria sobre a religião e explicaria tudo, desaparecendo o medo e a dúvida no espírito humano.


           É, portanto, uma ideologia materialista, e a chamo de ideologia e não de filosofia, justamente porque despreza o pensamento puro, filosófico, como fonte de saber e conhecimento, reconhecendo apenas as experiências baseadas na realidade material, realizadas pela ciência.
           Ora, se o positivismo despreza o pensamento, naturalmente não pode concordar com a democracia, que na sua essência é a possibilidade de livre expressão das vontades e do pensamento, formando governos de maioria através de eleições, resultantes de um contraditório político em torno de ideias.
          Ou seja, quando despreza a filosofia, o positivismo despreza também o próprio pensamento e tudo relacionado a ele, como a política e as artes. É uma ideologia autoritária, cujo dístico em nossa bandeira "Ordem e progresso", expressa muito bem.
          O avanço do positivismo entre nossa jovem oficialidade fez nascer o movimento dos tenentes, no início do século XX, que se opunham ao predomínio das velhas elites agrárias na política nacional, herança da monarquia escravista. Várias rebeliões tenentistas eclodiram na década de 1920, sendo as mais importantes; a Coluna Prestes,  o episódio dos 18 do forte, em 1922, quando vários tenentes tomaram o forte de Copacabana no Rio e uma rebelião em São Paulo em 1924.

 Foto da rebelião dos "18 do forte"

          Em todos esses movimentos já se falava abertamente em um governo militar, mesmo antes da ascensão do fascismo e do nazismo na Europa. O que seus adeptos diziam era que os civis não estavam aptos para governar o Brasil, que precisava de um governo forte, que desse uma direção firme para desenvolver o país.
          A Coluna Prestes foi a expressão mais viva da inconformidade da jovem oficialidade, num momento em que Luis Carlos Prestes ainda não havia tomado contato com a ideologia socialista, que o converteria mais tarde no líder da intentona comunista de 1930.

Coluna Prestes

          Aliás, a ideologia positivista difere das ideologias autoritárias do século XX, especialmente do fascismo, por acreditar que um governo militar seria uma força positiva, algo que faria o Brasil progredir, enquanto o fascismo e o nazismo tinham elementos bárbaros em sua formulação, oriundos das sociedades góticas do norte da Europa pré-medieval, que consideravam a violência e a morte quase como uma questão estética. 
          Não se trata de sutilezas, mas de uma diferença profunda, talvez pela origem francesa do positivismo, formulado por Auguste Comte, influenciado pelo estilo autoritário mas progressista de Napoleão.


          A revolução de 30, que coloca Getúlio no poder é inspirada nas ideias dos tenentes, que depois se sentem traídos por Vargas e continuam a alimentar esperanças de uma revolução redentora, que tirasse os civis do poder e o entregasse às mãos competentes dos que realmente amavam a pátria.
           E quem são os revolucionários de 1964? Os mesmos tenentes, já coronéis e generais, que ainda não haviam conseguido realizar seu sonho de um governo militar.
           É claro que a influência das ideias nazistas, fascistas e comunistas, alimentou esse caldo de cultura de que só uma ditadura salvaria o Brasil de seu atraso. Também a guerra fria introduziu elementos novos nesse panorama, principalmente com o apoio de americanos e franceses à tortura como método de contra-insurgência, desenvolvido primeiro pelos franceses na guerra da Argélia e depois pelos norte-americanos no Vietnã.
          A tortura já era nossa velha conhecida, desde a colônia e o império, com seu regime escravista e suas conhecidas técnicas para manter a dominação sobre o povo negro, técnicas essas que continuaram a ser aplicadas rotineiramente nas prisões depois da República e foram aperfeiçoadas mais ainda no Estado Novo de Vargas, sob as ordens do truculento Filinto Müller e continuaram, mesmo em tempos democráticos, a serem rotineiramente aplicadas contra os pobres, negros e trabalhadores em geral. 
          Tudo isso desembocou no movimento armado de 1964, unindo essa tradição repressiva contra os movimentos populares à essa vocação messiânica dos militares para "libertar" o Brasil dos políticos.
          O positivismo que dominou nossas forças armadas e se propagou pela nação através de hinos e lições escolares, até hoje não teve sua importância convenientemente estudada, continuando a vigorar de forma confusa nos nossos ideais, coisa que se observa diariamente nos "posts" da classe média conservadora na internet falando mal do Congresso e dos políticos em geral.
          Por outro lado, ouço muita gente criticar a frase "ordem e progresso" na bandeira mas não vejo um movimento real para estudar o positivismo, de forma que possamos superá-lo nos libertando dessa concepção redutora e autoritária de sociedade, que tanto prejuizo trouxe ao país.
         É hora de mudar nossa bandeira construindo uma crítica séria sobre essa ideologia ultrapassada e desenhando um novo futuro sobre ideais que nos orientem para a construção de uma nação livre, justa e democrática,
          
          
           

PAPO DE ARQUIBANCADA

Ah, é lepo lepo !



       Meus amigos, há tempos que o campeonato baiano vem perdendo sua força, tradicionalmente e tecnicamente, haja visto que os nossos principais representantes foram eliminados na primeira fase e nas oitavas, Bahia e Vitória, respectivamente. Entretanto, a rivalidade entre rubro-negros e tricolores não deixa de existir, tampouco de ferver, quando a final é BA x VI.
        Este ano, e, há sete jogos, o Baêa não sabe o que é perder para o seu grande rival, o leão da toca. No baianão não foi diferente, primeiro jogo 1 x 1 em Pituaçu, segunda partida, na Arena Fonte Nova, 2 x 0 para o Bahia, terceiro jogo, já pelas finais, 2 x 0 mais uma vez para o tricolor e na partida derradeira, 2 x 2, em Pituaçu, com o Baêa abrindo 2 a 0 no primeiro tempo. Não acho necessário falar sobre a partida final, pois o Bahia foi superior ao Vitória em todos os confrontos diretos, não valendo de nada a campanha rubro-negra. Ao leão, a certeza de que seu elenco é fraco para a disputa do brasileirão. Ao homem de aço, que não fique a ilusão de que o time está pronto para a competição nacional.

       Não posso deixar de relatar a festa da torcida tricolor nas arquibancadas, mais uma vez, um show, ao som do lepo lepo !
        Parabéns ao Esporte Clube Bahia - o maior campeão estadual do Brasil, com 45 títulos - por mais esta conquista.


 Final antecipada


         Após o sorteio da Liga dos Campeões da Europa, em Lisboa, sede da final, ficamos conhecendo os semifinalistas do maior torneiro de clubes do mundo. De uma lado o time do arrogante Mourinho, Chelsea, contra o aplicado Atlético de Mardri, treinado pelo não menos esforçado, argentino, Simeone. Contudo, o melhor ficou para a outra semifinal: Real Madri e Bayer de Munique, este jogo será um espetáculo à parte. O que podemos chamar de uma final antecipada, levando-se em consideração que estarão em campo os melhores times da Europa, ao menos no papel. Basta conferir a escalação de ambos, craques que estarão, quase que 100% na Copa do mundo no Brasil, em junho.

Confiram:

REAL MADRI                                                                    BAYER DE MUNIQUE

Ilker Casillas - seleção espanhola                                        Neuer - seleção alemã

Arbeloa - seleção espanhola                                                Philipp Lahm - seleção alemã
Pepe - Seleção portuguesa                                                   Jérôme Boateng - seleção alemã
Sérgio Ramos - seleção espanhola                                       Dante - seleção brasileira
Marcelo - seleção brasileira                                                 Alaba - seleção austríaca

Xabi Alonso - seleção espanhola                                         Schweinsteiger - seleção alemã
Modric - seleção croata                                                        Toni Kroos - seleção alemã
Di Maria - seleção argentina                                                Mario Götze - seleção alemã
Gareth Bale - seleção galesa                                                Frank Ribéry - seleção francesa

Cristiano Ronaldo - seleção portuguesa                              Thomas Müller - seleção alemã
Benzema - seleção francesa                                                 Mandzukic - seleção croata

Até quando vão roubar o Vasco?
 

     Quantos campeonatos o Vasco já perdeu por culpa de arbitragens mal feitas ou mal intencionadas?
     Mais uma vez o cruz-maltino viu escapar um título merecido graças a um gol, em situação de impedimento, aos 46 minutos do segundo tempo.
     O trio de arbitragem não viu ou não quis ver?

CLIPE DA SEMANA

  O clipe desta semana é da canção SE, composta e interpretada por Djavan. Esperamos que curtam.



Djavan

POESIA DA SEMANA


Pátria

 

Quando eu entrei no meio do mato,
Onde os cipós não me deixavam ir além,
Fiz com um gomo de taquaruçú
Um porta voz.
E gritei bem alto:


"Páááátria!!! Eu quero te ver!!!"

Pois me haviam contado
Que era ali que morava
Numa casa de arvores,
Gritei tão alto
Que minha voz abriu uma picada
No meio do mato.

Gritei tão alto
Que a algazarra das araras
E os guinchos dos sagüis
Não conseguiram abafar a minha voz.
Que lá foi, tropeçando nos cipós,
Chamar a Pátria que velava.
Depois o silêncio, que é um índio verde,
Veio, com os pés de musgo
E mãos de paina,
Aquietar as folhas que falavam,
Veio cercar o vento que assobiava.

Depois o mato vibrou, como vibra
Quando passam as antas pesadas
E varas de caitetús.
Houve um estalar de gravetos e de taquaras,
E até as araras se calaram pasmadas...
E aos meus olhos maravilhados,
Surgiu uma índia vestida de penas,
que tinha no corpo moreno
a altivez dos palmitos
e que trazia nos olhos oblíquos e claros,
a alegria de um dia de sol.
E ficou, espantada, a olhar pra mim...
E fiquei deslumbrado com tanta beleza,
Pois não me haviam contado
Que minha Pátria era tão bonita assim.


Vinícius Méier

RAPIDINHAS

José Wilker

          Semana passada perdemos José Wilker.
          Suas atuações no cinema foram marcantes, especialmente como Vadinho, no longa Dona Flor e seus dois maridos. Ele também teve atuação destacada em Bye Bye Brasil e no filme Medicine Man, contracenando com Sean Connery, cujo tema era a devastação da Amazônia.
          Na Globo criou alguns tipos que marcaram as novelas, mas nunca pareceu muito à vontade nesses papéis. Ator com grande consciência política, Wilker encarnava melhor personagens que contribuíssem para a construção de uma consciência nacional progressista.
          Nos deixou muito cedo.

Balas perdidas


         Só quando nos atinge, vemos o absurdo da situação.
Ontem, por volta das 18,00 horas, um parente de Adriano foi alvejado com uma bala perdida de grosso calibre, que se alojou perto do coração, quando passava pela BR-324, na entrada de Salvador.
         Por sorte ele está se recuperando bem, depois de uma cirurgia delicada.
         Pelo calibre suspeita-se que a bala seja de um armamento da polícia, que andava por perto.
         Até quando vamos ter que conviver com essas polícias militares que tratam o povo como inimigo? Por onde anda o projeto de desmilitarização das polícias?
        Agora com a greve das polícias Salvador virou um caos. Está na hora de mudar.

Descaso


          
          O CETEB é uma escola técnica na cidade de Livramento, pertinho aqui de Rio de Contas.
          Várias prefeituras mandam seus estudantes para lá, ajudando-os com transporte, dentre elas, Dom Basílio, Paramirim e Rio do Pires, que já é bem afastada (mais de 50 km).
          Só a prefeitura de Rio de Contas se nega a ajudar os alunos com transporte, apesar de ficar a menos de 10km. Os alunos tem de descer a perigosa Serra das Almas de carona, porque a prefeitura se recusa a investir na educação dos jovens do município, enquanto seu secretário de turismo continua usando o patrimônio público para promover festas particulares em benefício próprio.
          Um escândalo!
          Parece o Coronel Epaminondas da novela das seis, que não quer escola na cidade dele.

Sai de baixo!


          A coisa está ficando feia na Ucrânia.
          Enquanto os neo-nazistas que tomaram o poder depois de matar centenas de pessoas e incendiar prédios públicos com apoio dos Estados Unidos e da União Europeia se proclamam "governo democrático", agora resolveram atacar os manifestantes que protestam contra o golpe, acusando-os de terroristas e atacando-os com a aviação.
          Se a Rússia resolver entrar na briga, vai sair faísca. Briga de cachorro grande! 
 
           

RISOS

Ilusão de ótica



Piada contada: trote da filha grávida.


segunda-feira, 31 de março de 2014

POLITICANDO

Por uma educação rural


           
          Quando trabalhei no Pradime, Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação, do Ministério da Educação, fiquei responsável pela área de recursos materiais. Esse trabalho me levou a realizar uma pesquisa sobre as condições materiais das escolas públicas brasileiras, pesquisa que reproduzi posteriormente no meu livro Escola, Espaço e Discurso.
           O surpreendente, no resultado da pesquisa, foi verificar que a causa do suposto "atraso" da educação no nordeste estava no alto índice de habitantes nas áreas rurais.
           O nordeste é uma região onde o fenômeno de urbanização (migração rural paras as cidades) ainda não se completou. A Bahia é um exemplo disso, onde aproximadamente 50% da população ainda vive no campo ou em pequenas cidades, num território maior do que a França ou a Alemanha.
           Isso é ruim? Bem, do ponto de vista desenvolvimentista, viver no campo é sinônimo de atraso e o bom é ser um cidadão das cidades (desculpem o pleonasmo). Talvez por isso a educação nas áreas rurais brasileiras seja tão ruim, realmente muito ruim, muito pior do que nas escolas públicas urbanas, que já não são nenhuma maravilha.
           Isso se reflete nos indicadores gerais da educação brasileira, fazendo com que o nordeste apareça sempre como uma área problemática no campo da educação, embora a educação rural seja ruim em todo território brasileiro, inclusive nas unidades mais ricas da federação, situadas no sul e no sudeste do país,
           É claro que nas regiões mais industrializadas, sendo a população rural muito pequena em relação à urbana, esses indicadores se diluem, dando a impressão de uma superioridade regional, quando na verdade o que ocorre é a supremacia incontestável da educação urbana.
            O Brasil é um país antigo e, apesar do que digam, de tradições arraigadas. Nossa educação é tributária de raízes muito autoritárias, herança de uma colonização escravista, de uma monarquia escravista, de uma república de fazendeiros que se manteve no poder até 1930 e de duas ditaduras no século XX, a de Vargas, que durou 15 anos e a militar, que durou 21.
           Há apenas 29 anos nos livramos dos militares, mas mesmo assim, seus discípulos da direita mais conservadora se conservaram no poder até 2001, há apenas 13 anos atrás, quando o governo social-democrata do PT começou a inverter algumas prioridades no Brasil, ainda sob protestos de uma elite altamente conservadora, habituada a ver a maioria do povo sobreviver na miséria.

          É muito pouco tempo. Professores e diretores de escola (ou gestores, no jargão neoliberal), ainda são os mesmos dos tempos da direita, na maior parte do Brasil. Apenas agora uma nova geração de educadores começa a assumir os destinos da educação brasileira, ousando timidamente contestar os fundamentos neoliberais impostos nos governos de Fernando Henrique Cardoso, último expoente da direita a governar, mesmo assim minoritários e confusos, sem um projeto novo de educação voltado para a qualidade social, que liberte o povo da ignorância e da submissão aos grandes capitais e aos políticos, principalmente no interior desse gigantesco Brasil profundo.
          E não há área mais sensível à política e à ideologia do que a educação. Não se iludam com os discursos tecnocráticos, que apontam falta de escolas ou de verbas como culpa do atraso educacional do Brasil. Na verdade sobram escolas e verbas e a matrícula no ensino fundamental vem caindo há muitos anos, devido à queda na natalidade.
          Nem por isso a educação tem melhorado. E não adianta injetar mais e mais recursos, construir escolas de horário integral, colocar computadores, satélites e todo um aparato tecnológico, enquanto a discussão sobre a educação não entrar no espinhoso terreno da política.
         Na verdade o que precisamos é de uma reforma educacional que rompa com os fundamentos conservadores que consideram os pobres uma "classe perigosa", que precisa ser disciplinada, submetida, dominada, para que possa se adequar ao sistema de privilégios que continua vigente na nossa sociedade, se conformando em permanecer pobre para fazer a gigantesca máquina da economia funcionar, enquanto uma minoria se apropria da maior fatia dos benefícios gerados pela produção.
         Uma verdadeira reforma educacional deveria inverter esses valores, ensinando aos alunos pobres que esse é um sistema injusto e precisa ser modificado, que eles não precisam se conformar com o destino redutor que lhes é oferecido, mas devem sonhar em ser realmente protagonistas do seu país, virando a economia de cabeça para baixo e acabando com velhos e injustos privilégios.


         Mas é aí que entramos no terreno perigoso da política. Uma educação libertadora, que acabe com as filas na entrada da escola, com o militarismo de se perfilar para cantar o hino nacional, com a preponderância da disciplina sobre o conhecimento, abrindo as portas para o desconhecido, para um futuro imprevisível, talvez incontrolável pelas forças que dominam a política, mas certamente transformador no sentido de construir novas estruturas de poder na sociedade.
         E uma das providências fundamentais para começar essa transformação é acabar com o mito de que as cidades representam o progresso e as zonas rurais o atraso. Superar as diferenças entre cidade e campo sempre foi uma meta de todas as revoluções mundiais, que construíram as grandes nações modernas de hoje.
         Hoje ensino numa escola técnica de uma cidade pequena e sinto muito ao ver alunos dos povoados não conseguirem vir a aula por falta de transporte (apesar de um programa do governo federal nesse sentido), fazendo com que talentos promissores se percam.
         Ainda me surpreendo com propostas de pessoas bem intencionadas, principalmente ligadas a igrejas, de montar escolas técnicas para "tirar os pobres da rua", oferecendo cursos como corte e costura e culinária. Francamente, quem consegue crescer com isto hoje em dia? É melhor deixá-los nas ruas. Talvez lá eles aprendam a se revoltar contra esse sistema obsoleto e arcaico de privilégios.
          Um sistema nacional (de preferência federal) de educação rural, seria um bom começo para inverter essa lógica perversa, que só ensina o caminho da cidade, onde um destino de submissão aguarda o filho do camponês. O próprio deslocamento diário para a cidade para receber a educação a que tem direito, vai reforçando essa lógica de que é preciso abandonar o campo para crescer, para encontrar oportunidades. 

          Construir grandes escolas rurais, escolas-pólo, que possam receber alunos de uma determinada região sem grandes deslocamentos, inverteria isso, criando uma base política avançada no campo, que poderia subverter a ordem estabelecida pelos grandes proprietários de terra, de manter a produção sob seu domínio e os agricultores submetidos.
         Uma escola transformadora no campo inverteria os indicadores educacionais e a própria lógica da urbanização descontrolada, geradora das favelas e de toda violência que assola nossas grandes cidades.
         Quem tem coragem de fazer uma verdadeira revolução na educação brasileira, afrontando velhas e santas humilhações?