quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Meu pai, Bernardo Sayão.

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Meu pai, Bernardo Sayão

 

     Prezados amigos leitores.
     Peço desculpas pelas semanas em que deixamos de publicar este blog, em função do acúmulo de atividades que nos impediram.
     No meu caso, consegui, finalmente, concluir a pesquisa (se é que uma pesquisa pode se dar por concluída algum dia), para a construção de um texto sobre o qual eu vinha trabalhando há dois anos. E para minha satisfação, a última leitura dessa longa investigação foi o livro Meu Pai, Bernardo Sayão, escrito por Léa Sayão
     Antes de mais nada devo dizer que não foi fácil encontrar um exemplar deste livro, lançado em primeira edição em 1967 e em segunda, em 1976.
     Consegui através de um sebo virtual, que descobri no excelente site www.estantevirtual.com.br. onde localizei um exemplar com o livreiro José Franklin, do Rio de Janeiro.
     A chegada do exemplar, no entanto, foi um pouco difícil, pois o pagamento se deu logo no início da greve dos correios e, quando o movimento acabou, a agência onde o objeto foi postado confessou que havia extraviado a encomenda. O fornecedor, no entanto, foi corretíssimo, adquirindo outro exemplar e me enviando sem cobrar nada a mais. Portanto, se precisarem de livros usados, recomendo fortemente este livreiro, que pode ser acessado pelo e-mail josefranklinda.silveira@yahoo.com.br.
    Mas voltando ao livro, devo dizer que sempre tive enorme admiração por este homem, embora não conhecesse muita da sua vida, além do que eu ouvi na minha infância, nos primórdios de Brasília.
     Depois, quando fui trabalhar no Governo do Distrito Federal, na Administração da Ceilândia, tentei projetar uma praça em homenagem a ele, mas fui desencorajado por todos os lados. Todos me diziam; deixa isso pra lá, não se meta nisso... e eu ficava cismado. Afinal, que mistério se ocultava sob a morte deste gigante do desbravamento do Brasil Central? Porque o homem que foi considerado o braço direito de Juscelino Kubistchek, não tinha uma estátua sequer em Brasília?
     Me lembrava dos boatos na época de sua morte, causados pelo funeral de caixão fechado. Uns diziam que ele não morrera, que haviam posto um tronco de bananeira no lugar do corpo. Outros que fora assassinado, porque era muito amigo dos operários e um risco político para as eleições que se aproximavam. Enfim, cresci sob sombra deste mistério, que agora se esclareceu com a leitura deste livro.
     Na verdade o livro não é uma biografia, mas um texto memorialista, em que Léa Sayão conta sua vida junto ao pai, o jeito dele de viver e pensar, sua inquietude, sua mania de abrir estradas e sua idéia fixa em ligar Goiás a Belém do Pará, desde 1941, quando foi encarregado por Getúlio Vargas de fundar a Colônia Agrícola Nacional de Goiás, conhecida inicialmente como CANG, a primeira de uma série de outras que faziam parte da chamada Marcha para o Oeste, um projeto político de Vargas que visava integrar os chamados espaços vazios do centro-oeste à economia brasileira, cujos núcleos urbanos situavam-se quase todos no litoral.
     A CANG, que depois virou a cidade de Ceres, foi a cabeça de ponte para a investida sobre os sertões desconhecidos do norte de Goiás, que haviam sido pacificados pelos homens do SPI, Serviço de Proteção aos Índios, criado por Cândido Rondon.
     De lá, Sayão se lançou temerariamente, desprezando a burocracia governamental, abrindo sua estrada para o norte, com recursos da Colônia Agrícola, construindo também ramais para vários vilarejos existentes que sobreviviam no abandono, dando vida a toda a região e chegando até a atual cidade de Uruaçu.
     Quando Juscelino resolveu construir Brasília, em sua primeira visita ao local onde seria construída a nova capital, havia um homem lhe esperando: Bernardo Sayão. Ele se instalara no local, em uma barraca, munido de apenas algumas dezenas de trabalhadores e abrira a primeira pista de pouso para que o avião do presidente pudesse descer. Daí pra frente a cooperação entre os dois foi completa. Foi Sayão quem construiu a rodovia de Goiânia para Anápolis e daí até Brasília, ele que já havia ligado Anápolis a Jaraguá, antiga cidade isolada ao norte, e de lá para Ceres.
     Quando Juscelino finalmente se convenceu da necessidade de construir a Belém-Brasília, Sayão já tinha aberto mais de 600 km de seu traçado. Daí pra frente, dos 1600 que ainda faltavam, a maior dificuldade se localizava na abertura dos mais de 500 km de selva equatorial que precisou ser vencida a facão e à machado, nas picadas pioneiras abertas pela turma conhecida como grupo dos suicidas, sob o comando direto dele, que não se afastava das obras.
     A história dessa aventura já foi muito contada, mas nunca é demais relembrar que foi uma epopeia de gigantes. A leitura da vida de Sayão cansa, só de acompanhar a inquietação do homem, que não parava um minuto.
     O texto de Léa Sayão é agradável e despretensioso. Depois de contar sua história, ela recheia o livro com depoimentos e homenagens a seu pai, que morreu tragicamente no dia 19 de janeiro de 1959, quando faltavam apenas 50 Km para a conclusão da rodovia, que foi o sonho de sua vida, quando um imenso galho de árvore caiu sobre a sua cabeça.
     Dentre os depoimentos, há muita coisa emocionante. Cartas de Juscelino e discursos de políticos. Mas o que me impressionou mais foram as palavras de um trabalhador no momento do seu sepultamento, das quais transcrevo aqui alguns trechos:

   "Sr. presidente da República, (...) Eu vos peço silêncio para falar a este gigante morto, porque, sem dúvida, você Sayão era um gigante lutando contra outro gigante, as selvas amazônicas. (...) Você Sayão, era um homem que teu SIM, valia SIM, que o teu NÃO... valia um NÃO. Era antes de tudo um homem de mãos limpas. Um luar cheio de resoluções as mais acertadas. Um homem que sabia receber desde o presidente da República, que aqui se encontra, ao mais humilde trabalhador, que sou eu, que te falo. (...) Eu como legítimo representante dos trabalhadores, apanhei no campo no qual viveste pisando dia-a-dia, duas flores, e elas aqui estão: uma amrela e uma roxa. (...) Esta flor roxa significa o nosso luto, esta amarela significa o nosso desespero pela tua falta irreparável."

     No momento em que nossa política está tão poluída por seguidos episódios de corrupção, e pelos que tentam desmoralizar a justiça quando esta pune os culpados, só porque pertencem ao seu partido, talvez a lembrança deste grande brasileiro possa nos lembrar que nem sempre foi assim, que houveram homens que se dedicaram verdadeiramente à causa do bem comum, do progresso do Brasil e do seu povo sofrido.
     Depois de ler este livro raro, minha sensação de que falta um monumento em Brasília só aumentou. A Brasília que eu vivi, até 1964, era a Brasília dos heróis que a construíram. Depois veio a revanche dos que odeiam o povo e que a transformaram no templo da corrupção e da ganância. Mas isso não precisa ser sempre assim. É sempre possível recuperar o que um dia foi perdido.




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