segunda-feira, 9 de junho de 2014

DESTAQUE

Crônica de um rio assassinado

 A beleza da Serra das Almas, onde nasce o Taquari
         O Rio Taquari nasce na Serra das Almas, em plena Chapada Diamantina, no município de Livramento de Nossa Senhora, Sudoeste da Bahia, atrás do Pico das Almas, o mais alto do nordeste do Brasil, com mais de 2.000 metros acima do nível do mar. Seu percurso tem apenas 25 km, até desembocar no Rio Brumado, importante afluente do Rio de Contas.
         Mas logo na sua nascente, suas águas são escandalosamente roubadas por 26 tubos de grosso diâmetro, deixando pouca coisa para o leito original. Essas águas, retiradas sem outorga, servem para irrigar as lavouras de manga e maracujá da região e até mesmo para serem vendidas a carros pipa, atividade que dá mais lucro do que a agricultura.

A nascente do rio, já com tubos que coletam suas águas límpidas

Alguns dos 26 tubos que roubam as águas do Rio Taquari

          Mas infelizmente, quando o rio chega na planície suas águas já foram completamente roubadas, deixando apenas um leito seco.


À esquerda o leito do Rio Taquari e à direita do seu "afluente", o Rio do Ouro
Ambos completamente secos pela retirada de ilegal de água.

          A confluência dos rios Taquari e do Ouro, virou uma imagem triste da irresponsabilidade ambiental.
          Mas apesar desta situação, em épocas de chuvas intensas o Taquari ainda consegue correr e por isso foram feitas enormes barragens clandestinas para interceptar suas águas mais abaixo deste ponto.

Essa barragem foi escavada no leito do Taquari, para represar suas águas em épocas de enchente 
A terra retirada daqui foi usada para aterrar várzeas e lagoas na cidade de Livramento, "fabricando" lotes urbanos que são vendidos a peso de ouro.

          Como as águas não fluem normalmente para encher essa barragem (que na verdade não é uma barragem, mais uma grande cratera escavada no leito do rio), foram feitos poços artesianos, também sem licença, para enchê-la com água do subsolo.
Água de poço artesiano fluindo para dentro da "barragem"
          Esta outra barragem foi escavada lateralmente ao rio, de forma a captar a água que extravasa do seu leito normal, quando ele inunda a várzea em épocas de enchente.

Barragem lateral. O rio corre lá atrás, sob a copa das árvores.
          Mas como o rio não tem corrido mais, muito menos extravasado , o proprietário instalou uma bomba para captar água direto do leito do rio.

A bomba que devia ser submersa, ficou perdida no leito seco do rio.

          Mas a bomba ficou lá, perdida, no meio do leito seco. Caso o rio consiga ultrapassar as barragens anteriores e chegar até este ponto, sofrerá nova agressão, sendo bombeado para a gigantesca barragem lateral.
          Mas então, com a água do rio toda roubada, que água é aquela que corre imunda por debaixo da ponte do Taquari? A resposta está aqui, no chamado "Pinicão" de Livramento.

O "Pinicão" abandonado.

           O "Pinicão", como é chamado pela população de Livramento, é uma lagoa de estabilização, onde eram jogados os esgotos da cidade, antes de serem lançados no leito (agora seco) do Rio Taquari. A água que corre para dentro dele, é fornecida à cidade pela Embasa, empresa estadual de saneamento, vinda de uma barragem feita para fornecer água potável. É, portanto, água de outra fonte, de outro rio, que não o Taquari, depois de usada pela população, e que escorre para lá em forma de esgoto.
          As lagoas de estabilização são formas de tratamento primário de esgotos (sobre este tipo de tratamento ver http://www.ufpi.br/subsiteFiles/ces/arquivos/files/Parte%20II-4-Lagoas.pdf),  eficientes quando recebem manutenção adequada. Nesse caso, a lagoa é composta por três tanques, por onde os esgotos iam passando sucessivamente, depois de receberem tratamento químico e sofrerem um processo de precipitação, que removia parte dos poluentes, permitindo que seu efluente fosse lançado ao rio sem causar grande prejuízo ao meio ambiente.
          Mas o "Pinicão" de Livramento encontra-se em estado de total abandono. Além da falta de manutenção e manejo, a tubulação que leva o esgoto está rompida, fazendo com que o fluxo de esgotos seja desviado diretamente para o leito seco do Rio Taquari.

Ponto onde a tubulação de esgotos está rompida, na entrada do "Pinicão".

            A partir deste ponto, os esgotos provenientes desta tubulação correm pela várzea, indo cair diretamente no leito seco do Rio Taquari.

O esgoto correndo a céu aberto

          Mas outras saídas de esgoto da cidade também foram "desligadas" do Pinicão, e correm agora diretamente para o leito do rio.

Esta caixa de passagem, que também foi "desligada" do Pinicão, recebe os esgotos do centro da cidade, 
que correm diretamente para o leito do rio.

          Que volta a correr alegremente pelo seu leito, em forma do mais puro esgoto a céu aberto.

 O Rio Taquari volta a correr em forma de puro esgoto.

          Indo desaguar no Rio Brumado, ou no que sobra dele, depois que suas águas também são utilizadas para irrigar as lavouras de manga e maracujá à montante.

Ponto em que o Taquari se encontra com o Rio Brumado.

          Mas porque o Pinicão está sendo desativado e as águas servidas correndo desse jeito para o leito seco do Taquari? A resposta pode-se ver logo ao lado: os loteamentos já estão chegando na beira da antiga lagoa de estabilização e as terras ali tornaram-se muito valorizadas. Mais do que isso, as terras retiradas das barragens ilegais estão servindo para aterrar a várzea, servindo para a "produção" de lotes urbanos.
          Então o assassinato do Rio Taquari se desdobra em muitos crimes ambientais: retirada ilegal de água, embarreiramento e escavação do leito do rio, aterro das várzeas para produção de lotes urbanos e lançamento de esgotos "in natura", tudo feito as claras, sob o nariz complacente das autoridades municipais e estaduais, que preferem fingir que não estão vendo nada para não mexer com interesses de gente que financia campanhas eleitorais.
          Mas é claro que esses "narizes complacentes" não sentem o cheiro das águas poluídas, nas sua belas mansões, bem distante da tragédia ambiental que deixam acontecer.
          E enquanto isso os belos discursos ambientais continuam a ser proferidos nas oficinas patrocinadas com dinheiro público, pago a "consultores" privados para fazer lindos projetos e encher gavetas de papeis inúteis.


Nenhum comentário:

Postar um comentário