sábado, 7 de dezembro de 2013

O legado de Allende

POLITICANDO

O legado de Allende


       Passados 40 anos da morte trágica do presidente Salvador Allende, do Chile, já se pode observar, com um adequado distanciamento histórico, que seu governo lançou bases para uma nova sociedade, que só agora vem sendo compreendida.
      Baseado em um programa denominado tres tercios (três terços),  A Unidad Popular, frente de esquerda que dava sustentação ao governo do presidente socialista, propunha uma economia mista, com um terço dela sob controle do Estado, um terço sob controle privado e um terço nas mãos de proprietários privados, mas sob coordenação estatal, principalmente dos pequenos negócios.
     Colhido pelos intensos embates da guerra fria, Allende não conseguiu implantar seu programa, sendo boicotado pela direita, que não aceitava nenhuma estatização, pela esquerda, que queria estatizar tudo, e principalmente pela interferência dos Estados Unidos, que não acreditavam que seu programa fosse parar por aí, prevendo que o Chile se transformaria logo numa nova Cuba, aliada à União Soviética, desequilibrando a balança do poder mundial.
     Hoje, mais de 20 anos após a queda do comunismo, o capitalismo também vai encontrando seus limites e a apologia do mercado livre vai se revelando cada vez mais uma utopia sinistra, incapaz de promover o bem estar mundial e de conciliar melhoria de qualidade de vida com preservação do meio ambiente com direitos humanos e com a própria democracia, se vista como um processo de inclusão, muito além de simples rituais eleitorais.
     Estamos nos aproximando de uma nova formulação em que a economia deverá ter forte presença do Estado, para controlar os excessos do mercado, mas manter a abertura à iniciativa privada, para evitar a burocratização da economia, que são as duas principais vertentes do autoritarismo.
     Mais do que isso, a nova economia política deverá ser ancorada fortemente nos pequenos negócios, apoiados pelo Estado, em uma educação avançada e fortemente estatizada, e na inovação tecnológica, que passa pelo financiamento público e privado da pesquisa.
     Este conjunto de fatores, aliado à um adequado planejamento ambiental, o que significa também um controle rigoroso do uso do solo urbano, evitando especulações e metropolização desenfreada, em um mundo cada vez mais urbanizado, pode nos levar ao ponto de quilibrio desejado, entre desenvolvimento e qualidade de vida para todos.
     É claro que persistem ainda outros problemas, como a questão dos interesses nacionais, fonte eterna de guerras e conflitos, que só se resolverão com a integração das nações em um só mercado mundial, fortemente regulado e controlado democraticamente.
     Mas em termos nacionais, a política que vai se delineando no horizonte é bastante semelhante à proposta pela Unidad Popular chilena, nos anos 1970, o que mostra o avanço para a época e a dificuldade de ser compreendida na ocasião.
     Eu, que vivi no Chile de Allende e conheci a pobreza em que vivia e ainda vive aquele povo, me espanto ao ver na mídia os comentários sobre as belezas turísticas chilenas e sobre como aquele país se parece com um país altamente desenvolvido, mentira construída insistentemente pela mídia, para justificar o neoliberalismo implantado pela ditadura do general Pinochet, que destruiu a indústria chilena, transformando o país em mero exportado de matérias primas e importador de produtos industrializados.
     Nunca é demais lembrar dos versos de Violeta Parra, quando cantava: Linda se vê la pátria señor turista, pero no le han mostrado las callampitas... (Linda se vê a pátria senhor turista, mas não lhe mostraram as favelas).
     De qualquer forma, apesar do altíssimo preço pago pelos chilenos, eles foram capazes de traçar um rumo que hoje nos parece sólido e lógico. Um legado importante para a humanidade, deste presidente que preferiu morrer lutando pelos seus ideais, a sucumbir às tentações autoritárias oferecidas pela direita e pela esquerda.
    

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