Ecos da ditadura
Assisti a entrevista de Aécio Neves ao telejornal da Record e fiquei impressionado com a repetição de temas e atitudes de 20 e 30 anos atrás.
Aécio, vestido com a mesma gravata azul de FHC e Serra, insistiu em bater nas mesmas teclas de seus antecessores; de que o Brasil precisa de mais rigor fiscal, diminuir gastos do governos e fazer "reformas", dentre elas a da previdência social, sem ter a coragem de dizer o que mais vão retirar dos aposentados para encobrir os roubos do governo no dinheiro que os contribuintes pagam para ter esse direito, cada vez mais difícil de ser obtido.
Teve ainda a cara de pau de falar em fim da reeleição e mandato de 5 anos para todos, quando foram eles mesmos que instituiram esse sistema de 4 + 4anos, num escândalo, nunca investigado, de compra de votos no parlamento brasileiro para dar mais um mandato a Fernando Henrique.
O tema do rigor fiscal é dos anos 90, resultado de uma reunião de lideranças de direita no continente, que ficou conhecida como Consenso de Washington, e que já levou tantos países a falência. Está pra lá de superada. Mas eles parecem incapazes de se reciclar. Só conhecem um caminho, um discurso. Por isso seu partido está desaparecendo, porque ficou para trás, tragado pelo trajeto implacável da história que condenou o neoliberalismo ao limbo das teorias esquecidas.
Mas porque essa insistência? E porque os tucanos ainda tem tantos eleitores no Brasil?
Não é difícil explicar:
A ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985 desenvolveu um modelo econômico que privilegiava cerca de 30% da população, com objetivo de criar um mercado de consumo de bens supérfluos para as multinacionais americanas e européias.
Assim, enquanto 70% da nossa população amargava a pobreza e a miséria, esses 40 ou 50 milhões de habitantes, na época, formavam um excelente mercado de consumo, maior que muitos países do mundo, para os produtos das empresas que apoiavam nossa ditadura.
Formou-se então uma classe média com alto padrão de consumo, acostumada às altas rendas, viagens internacionais, apartamentos e carros luxuosos, enquanto os excluídos eram tratados à pão e água, e os rebeldes na base da tortura e do assassinato, tudo às custas do endividamento do país.
Com o fim da ditadura, vieram os governos neoliberais, que promoveram um arrocho maior ainda, diminuindo drasticamente o salário mínimo e colocando os bancos no controle de tudo. Era a nova ordem internacional, onde o setor produtivo se subordinava às instituições financeiras mundiais.
Esse modelo de total liberdade especulativa terminou com a quebra dos Estados Unidos em 2008, e se esgotou como alternativa, levando o próprio governo americano a fazer pesadas intervenções na economia.
No Brasil, um outro rumo já havia sido tomado, desde a ascensão do PT em 2002, com as políticas sociais compensatórias e a ênfase no aumento do poder de compra da população, objetivando ampliar o mercado interno e tornando o país menos dependente de exportações.
O país saía da órbita dos Estados Unidos e começava a navegar em um rumo próprio, buscando seus interesses nacionais.
A consequência dessa mudança foi a ascensão das classes C e D, que passaram a consumir mais e a disputar espaço no mercadocom a velha classe média criada pela ditadura, enchendo os aeroportos, as ruas com seus novos automóveis e os shoppings, agora com seus "rolezinhos", onde negros e "pardos" passam a invadir as áreas antes exclusivas da classe média branca.
Mas quem representa essa velha classe média racista e saudosa dos privilégios que a ditadura lhe concedeu? O PSDB é claro. Eles são os eleitores de Aécio Neves, que nem disfarça a intenção de satisfazê-los, empurrando os novos consumidores de volta para a pobreza e restabelecendo a supremacia branca.
Mas eles tem pressa, pois à medida em que o tempo passa, os antigos privilegiados da ditadura vão morrendo e novos atores surgem no cenário da política nacional, agora exigindo mais do que simples poder de compra, mas serviços públicos de qualidade e direitos que antes nem sequer se cogitava em dar ao povo brasileiro, como por exemplo, o de combater a corrupção dos políticos que durante séculos ficaram fora do alcance da justiça, feita para punir apenas os negros e pobres.
As novas classes emergentes querem ter o poder nas mãos e fundar uma verdadeira democracia, ameaçando não só o projeto de restabelecer os antigos privilégios dessa minoria racista, mas também o de avançar sobre outros privilégios como os dos "donos" da saúde e da educação no Brasil, e os especuladores imobiliários, que não foram sequer tocados pelos governos petistas, assim como sobre o crime organizado, profundamente enraizado nas nossas elites, inclusive no nosso sistema financeiro, por onde certamente toda essa riqueza circula alimentando as candidaturas dos velhos políticos.
Ao desespero dos políticos de gravata azul, do PSDB, deve-se somar em breve o dos políticos de gravata vermelha, do PT, que já começam a ir para a cadeia, na medida em que a democracia se aprofunda.
Estamos em um momento de virada onde, ou as velhas e novas elites se unem para impedir que a democracia continue avançando, o que tem prevalecido até agora, ou novas e importantes conquistas virão para elevar o Brasil ao patamar que lhe é destinado pela história, como uma grande nação.
Cabe ao povo observar tudo isso, principalmente as novas gerações, e privilegiar nas próximas eleições os candidatos que querem que o Brasil continue avançando, deixando para trás os tristes ecos da ditadura.
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