domingo, 2 de fevereiro de 2014

DESTAQUE

Minha vida de menina


     Delicioso este livro de Helena Morley (pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant), escrito no final do século XIX , entre 1893 e 1895, na forma de um diário de menina e reeditado pela Companhia das Letras (São Paulo, 2012).
     Helena tinha apenas 14 anos quando fez suas anotações em seu diário, estimulada pelo pai, um inglês que casou-se com uma brasileira e dedicava-se à mineração de diamantes na cidade mineira de Diamantina, numa época em que esta atividade e a própria cidade já estavam em decadência.
     O livro, publicado apenas em 1942 quando Helena já era uma mulher madura, tem a graça da ingenuidade aliada a uma qualidade inata de escrever da moça, que descrevendo seu dia-a-dia vai revelando o cotidiano da pequena cidade do interior, e de toda uma época já desaparecida, com uma qualidade literária que surpreende pela naturalidade.
     Segundo a autora, no prefácio à primeira edição, poucas foram as alterações feitas no texto, que conserva a graça de sua ingenuidade e nos revela um mundo antigo visto pelo olhar despretensioso e aguçado de uma jovem que pertencia a dois mundo, o da família inglesa de seu pai e o da família luso-brasileira de sua mãe.
     Numa época em que o fim da escravidão ainda era muito recente, a descrição da vida dos brancos e negros, da economia, da vida doméstica, a religiosidade e crenças vividas pela população, são de uma riqueza de detalhes que não encontramos em nenhum livro de história.
     Um livro para se ler devagar, saboreando cada episódio descrito pela jovem Helena, que vai pintando um mural de um mundo desaparecido e desconhecido para nós, de 120 anos atrás.
     Uma coisa interessante: no final do seu prefácio de 1942, Helena nos manda um recado:

     Não sei se poderá interessar ao leitor de hoje a vida corrente de uma cidade do interior, no fim do século passado, através das impressões de uma menina, de uma cidade sem luz elétrica, água canalizada, telefone, nem mesmo padaria, quando se vivia contente com pouco, sem as preocupações de hoje. (...) 

      E acrescenta um recado especial às suas netas:

     Vocês que já nasceram na abastança e ficaram tão comovidas quando leram alguns episódios de minha infância, não precisam ter pena das meninas pobres, pelo fato de serem pobres. Nós éramos tão felizes! A felicidade não consiste em bens materiais mas na harmonia do lar, na afeição entre a família, na vida simples, sem ambições - coisas que a fortuna não traz, e muitas vezes leva.

     O que diria Helena à juventude de hoje, que vive ligada aos celulares, à TV e à internet, com tantas facilidades e tantas vezes perdida e sem rumo?
     No meio de tantas teorias políticas e tantos debates desgastantes e supérfluos do facebook, onde se substituem or argumentos por xingamentos dos piores tipos, ler um livro como esse é um bálsamo, onde podemos observar que as angústias dos seres humanos são basicamente as mesmas através dos séculos, e que se a tecnologia facilita a vida, não resolve nossos problemas existenciais.

     Uma viagem ao passado. Vale a pena ler.

Alice Dayrell Caldeira Brant – que usou o pseudônimo de Helena Morley

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