quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Nas pegadas de Rondon

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Nas pegadas de Rondon

     Acabo de ler este livro, de autoria de Hélio J. Bucker e Ivete B. Bucker, editado pela Entrelinhas Cuiabá, 2005). Trata-se de um relato de vida e de trabalho do casal Bucker, ele funcionário do SPI/Funai, entre 1948 e 1970, e ela, sua esposa que o acompanhou na sua luta pela defesa dos índios brasileiros.
     O livro, narrado em tom de memórias, alternadamente por Hélio e Ivete, é muito esclarecedor sobre as políticas indigenistas praticadas no Brasil, ao longo do século XX, inclusive com suas variações devidas à diferentes contextos políticos. 
     Além de sua história pessoal, o que inclui seu namoro e casamento, a narrativa do casal nos leva a seus primeiros trabalhos em postos indígenas de Mato Grosso (quando ainda não havia a divisão que criou Mato Grosso do Sul), enfrentando todo tipo de dificuldades, desde falta de apoio oficial, passando por denúncias contra funcionários corruptos, até a convivência com animais peçonhentos, como imensas aranhas caranguejeiras, nos postos indígenas em que viveram.
     Em meio a este quadro, Hélio, com a inestimável ajuda de Ivete, desenvolveu seu trabalho e  formou sua família de quatro filhos, sendo que o mais velho deles, também chamado Hélio, tornou-se um sertanista e funcionário da Funai.
     Bem diferente dos relatos dos antropólogos, este livro nos relata  fatos, vividos pelos seus autores, e suas impressões sobre eles, além de nos dar indicações preciosas sobre várias tribos indígenas brasileiras, tanto do oeste brasileiro, quanto dos Pataxó, da Bahia, onde Hélio serviu.
     Costumes dos índios Terena, Nambikwara, Bororo, Pataxó, Xavante, Cinta-larga, Beiço de pau, Kadiwéu, Bakairi e Yanomami, os episódios envolvendo sua pacificação e algumas vezes massacres perpetrados contra eles por seringalistas e fazendeiros interessados em tomar suas terras, com apoio de políticos e militares, tornam o livro uma fonte preciosa de pesquisa.
     Particularmente a denúncia contra a tomada das terras da reserva Caramuru, entre Itabuna e Canavieiras, no sul da Bahia,que segundo o autor foi orquestrada por plantadores de cacau com apoio do então governador Juraci Magalhães, do general Liberato de Carvalho e do deputado Manoel Novais, terras que pertenciam legalmente aos Pataxó que hoje lutam pela recuperação de uma das mais antigas reservas indígenas brasileiras, demarcadas.
     Também a denúncia do massacre dos Beiço de Pau, em Barra do Corda, no Maranhão, perpetrados por matadores liderados por um tal Acácio, contratado por um grupo de japoneses que desejava se apropriar de suas terras e que dizimou uma tribo inteira misturando arsênico ao açúcar e farinha que deixaram nas margens de um rio para atraí-los.
     Também relata o roubo das terras dos Kadiwéu, em Mato Grosso, por deputados da Assembléia Legislativa do Estado, liderados por seu presidente, Rachid Mamed, em 1931 e das práticas nocivas dos missionários religiosos, que proibiam os índios de cultuar sua religião, seus cânticos e tradições, muitas vezes reduzindo-os a meros servos de glebas roubadas deles e em seguida vendida pelas ordens religiosas, inclusive a estrangeiros. Dentre eles, os Salesianos parecem ter sido os piores.
     O massacre da aldeia Haximu, dos Yanomami, nos dias 18 e 19 de agosto de 1993, por garimpeiros que invadiram sua reserva, no Pará, matando os homens a tiros de espingarda e as mulheres e crianças degolados com facões.
     Fala da agonia dos Kaiowá, esbulhados de suas terras, vivendo errantes pelos restos de matas das fazendas, onde antes eram suas terras, sem vontade de viver, devido à falta de sentido das suas vidas, praticando regularmente o suicídio.
     Mas também nos conta episódios de apoio e ajuda aos índios por funcionários exemplares do SPI/Funai, que dedicaram suas vidas à defesa de nossos indígenas e responsáveis pela salvação do que resta dos povos originais do Brasil.
     Com este livro, encerro um ciclo de leitura sobre os índios, que me permitiu compreender um pouco mais a problemática da sua aculturação à sociedade brasileira. 
     Segundo Helio Bucker, a questão está em não tentar fazer com que eles deixem de ser índios, mas permitir que evoluam lentamente para um estágio que ele chamou de índios superiores, onde possam conservar sua identidade, e ao mesmo tempo se integrar como povos diferenciados na sociedade brasileira.
     Uma leitura reveladora. O livro não é fácil de encontrar, mas pode ser achado em sebos virtuais.
     Muito bom!

 


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