Le petit Santos
Acabo de ler dois livros sobre a vida de Santos Dumont.
O primeiro, escrito por uma brasileira, Bia Hetzel, carioca, fotógrafa, escritora e editora, intitula-se Uma alegria selvagem- A vida de Santos Dumont (Editora Manati- Rio de Janeiro, 2002). É um livro feito para crianças e jovens, o que, no entanto, não tira o seu brilho, nem sua seriedade.
Muito bem editado, com belíssimas ilustrações, de Graça Lima, a narrativa percorre todos os fatos importantes da vida do aviador, sem fazer concessões ao infantilismo, nem às patriotadas que frequentemente acompanham a vida desse ilustre brasileiro.
O segundo livro, intitula-se Asas da loucura - A extraordinária vida de Santos Dumont, (Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2003) escrito pelo norte-americano Paul Hoffman, e anunciado como sua bibliografia defintiva. Este livro me interessou por ser uma obra investigativa, feita por um jornalista, que se propunha a aprofundar aspectos pouco divulgados da personalidade de Santos Dumont. Além disso, dada a polêmica entre brasileiros e norte-americanos sobre o verdadeiro inventor do avião, fiquei curioso em saber sua postura à respeito.
Mas o resultado não deixa de ser decepcionante. Jornalistas não são historiadores e, frequentemente, se deixam levar por emoções, impressões ou pelo senso-comum, o que compromete a veracidade do relato.
Hoffman segue mais ou menos o mesmo roteiro de Bia Hetzel, contando os fatos principais da vida do inventor, que os franceses chamavam de Le Petit Santos (O pequeno Santos), por causa de sua baixa estatura. A diferença é que seu livro é mais rico em detalhes, principalmente em relação ao que se fazia no mundo em termos de pesquisa aeronáutica, na mesma época em que Santos Dumont se dedicava às suas criações mecânicas.
Mas seguindo a tradição da recente literatura americana, onde autores fazem contratos com editoras para produzirem um certo número de obras em determinado tempo, diminuindo sua qualidade, e conhecendo o foco dos americanos no mercado, não é de se estranhar que Hoffman faça amplas concessões para agradar o nacionalismo exacerbado dos americanos, usando aquela linguagem pasteurizada, típica, cheia de sarcasmos e de um cinismo contra o resto do mundo, que visa sempre engrandecer os americanos e diminuir o valor dos outros povos.
O espaço que ele dedica para discutir a vida privada do brasileiro, inclusive reproduzindo as insinuações sobre sua possível homossexulidade, publicadas por jornais americanos da época, só reafirma a tremenda dor de cotovelo dos americanos diante da genialidade inquestionável de Santos Dumont, em contraste com a mediocridade desonesta dos irmãos Wrigth, que insistiram em ter sidos os pioneiros no voo do mais pesado que o ar, sem testemunhas, e usando meios que descaracterizam as primeiras decolagens, por auto-propulsão.
Hoffman diz que eles nunca usaram uma catapulta, para impulsionar os primeiros aviões a alçar voo, mas admite que eles os lançavam sobre trilhos, ladeira abaixo, sobre uma duna nas praias da Carolina do Norte, usando a força da gravidade para fazê-los pegar velocidade.
De um modo ou de outro, os aviões não alcançavam a velocidade para a decolagem usando a força de seu motor, como o aparelho de Santos Dumont.
Nas longas páginas destinadas a dar credibilidade aos irmãos Wrigth, nada é dito sobre a vida privada deles, nem sobre sua sexualidade. Não sabemos se eram casados, se tinham filhos, ou como era a sua vida social. Ele só diz que, como Santos Dumont, eles eram muito reservados, além de caracterizá-los como pessoas rudes, o que vai bem ao gosto do machismo caubói americano.
Mas o autor não pode deixar de falar sobre o reconhecimento mundial, nos primeiros anos do século XX, que levou Santos Dumont a ser aclamado como pioneiro da aviação em todo o mundo, sendo recebido por grandes personalidades, inclusive norte-americanas, como Graham Bell, o inventor do telefone, e o presidente Teodore Roosevelt.
Passando ao largo dos ressentimentos norte-americanos, que só procuram denegrir a figura do inventor brasileiro para diminuir seus feitos, o que chama a atenção nos dois relatos, é sua personalidade controvertida. Descrito uma hora como extremamente tímido e outra como um excêntrico e exibicionista, fiquei curioso para entender como timidez e exibicionismo podem conviver numa mesma personalidade.
Pesquisando na internet, achei uma definição que talvez sirva ao nosso controverso personagem; é o TPE, Transtorno de Personalidade Esquizóide.
Na wikipédia encontrei esta definição:
O termo "esquizóide" foi criado em 1908 por Eugen Bleuler para designar uma tendência para dirigir a atenção para a vida interior em vez de para o mundo exterior, um conceito próximo da "introversão" de Carl Jung. Bleuler também designou o exagero mórbido mas não-psicótico dessa tendência como a "personalidade esquizóide".
Sobre a sexualidade nos indíduos portadores do TPE:
As pessoas com TP Esquizóide são às vezes sexualmente apáticas... Por isso, as necessidades sexuais destes podem parecer menores que aqueles que não tem TP Esquizóide, já que preferem permanecer sozinhos e dissociados. Quando praticam sexo,... frequentemente sentem que seu espaço pessoal está sendo violado, e normalmente acreditam que a abstinência sexual é preferível à proximidade emocional que eles precisam tolerar quando fazem sexo.
Sobre o exibicionismo, tão evidente na figura do aviador, que dava grandes festas, em cadeiras "altas", convidando gente ilustre da sociedade, e gostava de se exibir em shows aéreos, buscando o reconhecimento público, achei o seguinte:
Descrições da personalidade esquizóide como "oculta" por trás de uma aparência exterior de engajamento emocional tem sido reconhecidas até mesmo em 1940 com a descrição de Fairbairn do 'exibicionismo esquizóide,' no qual ele observa que o indivíduo esquizóide é capaz de expressar bastante sentimento e criar o que parecem ser contatos sociais impressionantes enquanto na realidade está dando nada e perdendo nada;
E finalmente a relação entre o TPE e o suicídio:
De acordo com Ralph Klein, o suicídio também pode ser um tema recorrente em indivíduos esquizóides, no entanto eles não são propensos a tentar um. Podem ficar cabisbaixos e deprimidos quando todas as conexões possíveis foram cortadas, mas enquanto houver algum relacionamento ou mesmo esperança de um, o risco será baixo. A idéia de suicídio é uma força contrária às defesas da pessoa esquizóide. Como Klein afirma: "Para alguns pacientes esquizóides, sua presença é como um fraco e quase impossível de discenir som de fundo, e raramente alcança um nível em que se manifesta na consciência. De qualquer maneira, é um temor subjacente que todos experimentam."
Alguns autores falam de hereditariedade nos sintomas de TPE. Santos Dumont cometeu o suicídio depois de muitos anos de internações, feitas por conta própria, em clínicas euriopéias, mas sabe-se que sua mãe também praticou o suicídio em Lisboa, onde morava com as filhas depois da morte do marido.
A conclusão desta pequena pesquisa é de que a personalidade contorvertida de nosso pequeno grande herói, merecia ser mais bem estudada, fugindo das tentativas reducionistas norte-americanas de ridicularizá-lo.
Santos Dumont voando na sua Demoiselle
Para um homem que nunca chegou a se formar em engenharia, suas invenções são realmente impressionantes. A liberdade de pensamento e a coragem que demonstrava, experimentando ele mesmo seus inventos (ao contrário dos outros "inventores" da época), além da sorte que sempre teve, escapando da morte inúmeras vezes, fizeram dele uma figura famosa no mundo inteiro e reconhecida pela sua criatividade e capacidade de trabalho, apesar das suas esquisitices pessoais.
Suas preocupações sociais, distribuindo os prêmios que recebia com os pobres de Paris e pacifistas, combatendo o uso do avião como arma de guerra, deveriam ser muito mais aprofundadas, no estudo de sua visão de mundo
Santos Dumont merece uma biografia que fuja dos lugares-comuns sensacionalistas ou da mera descrição de seus extraordinários feitos. Ele foi um homem como poucos, que sempre fez questão de levar o nome do nosso país, literalmente, às alturas, fato imperdoável para aqueles que teimam em desacreditar no Brasil.
Abaixo, alguns dos seus feitos mais notáveis:
1898: balão de hidrogênio Brasil.
1898: No1, balão cilindrico de um só lugar
1899: No3, balão ovóide impulsionado por um motor de 3,5 HP
1901: o No5, contornando a torre Eiffel em Paris
1901: o No6, com o qual ganhou o prêmio Deutsch, de 100 mil francos, que distribuiu entre os pobres de Paris
1903: o famoso No9, que ele usava como um veículo particular para se locomover em Paris
Para conferir a pesquisa sobre a TPE, acesse o site;
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