terça-feira, 27 de agosto de 2013

DESTAQUE

A vida em vermelho
     Quando encomendei este livro, (Companhia das letras, São Paulo, 2006) sobre a vida de Ernesto Che  Guevara confesso que pensei se tratar de uma obra honesta e de esquerda, talvez pelo sobrenome do autor, Jorge Castañeda, que denuncia sua origem latinoamericana. Mas logo nos primeiros capítulos comecei a estranhar a obsessão por tentar psicologizar o personagem, procurando nas suas raízes familiares as causas de seu comportamento, como se fosse uma explicação científica para seus desvios de comportamento.
     Depois fui ver que o autor, Jorge Castañeda é um representante das elites mexicanas, que foi ministro das relações exteriores de Vicente Fox, o presidente de direita que governou o México entre 2000 e 2006. O livro foi publicado em 1997, no auge do neoliberalismo e as tentativas de Castañeda para explicar as atitudes de Che, às vezes beiram o ridículo.
     Sua dificuldade em compreender a visão de mundo do revolucionário, levam-no a criticá-lo seguidamente, considerando ingênuas suas observações sobre a pobreza dos indígenas latinoamericanos, especialmente os da Bolívia, como se a política real fosse desligada da realidade objetiva de cada ser humano e se desse no âmbito das altas esferas de influência e dos jogos de poder entre os partidos e seus representantes.
     É uma visão tipicamente elitista e que, se confrontada com a realidade da Bolívia de hoje, governada por um presidente indígena, revela todo o acerto das observações do Che, no momento em que critica os líderes revolucionários de 1952, por dedetizarem os índios que iam às audiências no palácio do governo, com medo das pulgas que eles portavam em seus corpos pobres e sujos.
     A humilhação dos indígenas bolivianos diante de um governo que se dizia revolucionário já mostrava claramente ao Che que havia algo errado ali, e que ele já entendia que é nos pequenos gestos que se observa a posição política das pessoas e não nos seus lindos discursos.
     Essa compreensão profunda que Che tinha da vida política e das transformasções necessárias é que deu a ele essa transcendência que o faz sobreviver até hoje, como um mito, muito acima de Fidel Castro e da própria revolução cubana.
     A mesma coisa ocorre em relação à Perón. Castañeda critica Guevara por não se posicionar nem contra, nem à favor do peronismo, sem querer entender que nem a direita católica conservadora, nem o populismo peronista tinham importância para o jovem revolucionário, que não precisava optar entre um ou outro.
     Che procurava outras coisas. Queria ver o mundo, entendê-lo, porque sua inteligência aguda e sua vasta formação humanista, não cabiam dentro das formulações simplistas vigentes na sua época. Nem mesmo nas complicadas análises marxistas provenientes do leste europeu, tão ideologizadas, intelectualizadas e muitas vezes estreitas, onde o particular sempre sucumbia às análises generalizantes, metateóricas, que levaram aquele sistema a desumanização stalinista e ao autoritarismo decadente.
     Che era antes de tudo um observador do mundo e, como tal, não se enquadrava nas teorias e propostas políticas fechadas. Era um livre pensador.
    As tentativas de justificar suas andanças pelo mundo e sua luta internacionalista baseado nos problemas familiares ou na sua dificuldade em superar sua asma crônica, são lamentáveis e só demonstram a dificuldade que a direita tem em entender e destruir o mito criado em torno dele.
      
    Castañeda chega a afirmar que esse mito surgiu à partir da foto tirada do Che morto, que teria alguma semelhança com Jesus Cristo, sem atentar que a imagem que correu e ainda corre o mundo, em cartazes, camisetas e pára-choques de caminhão, é a de um Che vivo, de boina e com uma estrela na testa.
     Sem dúvida, uma estrela que a direita não conseguiu nem conseguirá apagar na memória dos povos.


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