domingo, 8 de setembro de 2013

DESTAQUE

Semeadores

      Estive estudando as biografias de três personalidades históricas: Castro Alves, Santos Dumont e Che Guevara. Aparentemente nada a ver um com o outro e, no entanto, quando paramos para pensar vemos que os três tem mais em comum do que pode parecer à primeira vista.
      Não sei para vocês, amigos leitores, mas para mim, ler biografias e pesquisar a vida de pessoas não fornece informações imediatas que me permitam formar uma opinião à respeito do pesquisado. É um processo de filtragem em que as informações (muitas) que recebemos através da leitura vão sendo selecionadas depois que terminamos de ler, e as peças que passam nessa peneira vão se encaixando para então surgir uma imagem mais nítida da pessoa. Um quebra-cabeças.
     Ver pessoas pelos olhos dos outros é sempre complicado. Você pode aceitar tudo que lê ou contestar a abordagem do escritor, mas para formar sua própria imagem leva um tempo. E é isso o mais interessante.
     Dias depois de terminar essas pesquisas para um texto em que estou trabalhando, as peças começaram a se encaixar, formando a imagem de cada um deles, mas para minha surpresa apareceu uma quarta imagem, inesperada, a de um gigante.
      Sim, um gigante. 
      Analisando cada um deles, pude observar como foram contra tudo e contra todos, cada um em sua época e também como deixaram em absoluto segundo plano a construção de suas vidas pessoais, tão importante para a maioria de nós, mortais. Falo de vida pessoal, sentimental e até sexual. Falo de casamento, filhos, empregos, e por certo alguma estabilidade financeira e emocional.
     Esses três foram pessoas que se lançaram sem medo à construção de idéias que a maioria das pessoas consideradas "maduras" rejeitava e até achava absurdas. E no entanto foram pessoas fundamentais para mudar o mundo. Foram, cada um a seu tempo e de sua maneira, gigantes da humanidade, que se lançaram ao desconhecido porque enxergavam mais para além alguma coisa que ninguém via.
     Mais do que o desapego a uma vida pessoal estável e equilibrada, foram pessoas que flertaram com a morte o tempo todo. Pareciam persegui-la, como se a vida neste planeta não fizesse muito sentido. Castro Alves se lançando furiosamente contra a escravidão, utilizando como arma a poesia e sua incrível capacidade de convencer, pela oratória apaixonada e pelo olhar cheio de convicção, sacudindo um país que apodrecia no vício de uma instituição odiosa, que comprometia nosso futuro como nação e condenava um povo ao sofrimento eterno.
     Porque o Brasil não se levantou antes contra a escravidão? Porque teve que esperar a palavra deste jovem, filho de uma família de escravocratas, que se rebelou contra o patriarca da família, seu avô, um herói das lutas da independência nacional, para levantar a bandeira da abolição com um vigor que arrastaria a tudo e a todos no vendaval que culminaria no 13 de maio, quando a aristocracia finalmente se rendeu?
     Seus amores desenfreados pareciam antever sua curta existência. E seu desapego por esta vida se mostrava na sua indomável coragem de se expor a todas as batalhas necessárias, muito mais como militante político do que como poeta, ou talvez, pela primeira vez em nossa história, fundindo essas duas qualidades em algo imenso, muito maior do que o conservadorismo e a covardia reinante.
    Santos Dumont, dono de um corpo franzino, também parecia ter uma atração irresistível pela morte. Suas dezenas de acidentes aéreos, do qual sempre escapou milagrosamente, fizeram dele uma lenda, e o homenzinho não sossegou enquanto não desmentiu a tudo e a todos provando suas teorias sobre a possibilidade de realizar o voo de um objeto mais pesado que o ar.
     Muito mais do que o inventor do avião, ele nos deu a dimensão de que o impossível pode ser realizado, com disciplina e determinação. Mais ainda, deu ao Brasil a consciência de que não é necessário pertencer a um país desenvolvido para realizar algo novo, de que não precisamos esperar sempre que outros abram o caminho para nós, mas ao contrário, podemos fazê-lo e muito bem feito.
     Se houve alguém que não deu a mínima importância para os preconceitos e idéias pré-concebidas, este homem foi Santos Dumont, também herdeiro de uma considerável fortuna, que ao invés de procurar a aprovação dos outros através de uma vida "respeitável" soube utilizar seus recursos na construção de algo útil para a humanidade, deixando para a mediocridade as críticas e as invejas. Quando a vida lhe pareceu não fazer mais sentido, preferiu partir.
     Quanto a Che Guevara, este mito do século XX enxergou muito além de seus companheiros revolucionários da época. Entendeu que era preciso semear dúvidas e certezas na terra calcinada onde habitavam os explorados do mundo. Enfrentou amigos e inimigos e se adiantou em décadas ao prever que o destino do que chamavam comunismo, era desembocar no capitalismo, na medida em que se abandonavam os ideais de construção de um mundo novo em troca de uma estabilidade enganadora, que só prolongou a agonia de um sonho que já havia sido assassinado pelas burocracias do leste europeu.
     Nos países onde lançou suas sementes, inclusive a Bolívia, terra onde foi covardemente assassinado pelo exército sob ordens do governo dos Estados Unidos, e na África, onde lutou no Congo, apesar das derrotas militares, frutificaram novos movimentos e esperanças que até hoje povoam a mente de seus povos.
     A humanidade precisa de caminhos, de sementes que plantem novas realidades para que ela continue sua caminhada pela Terra, no seu longo aprendizado. A maioria de nós leva uma vida voltada apenas para sua própria sobrevivência. As novas classes médias preocupadas em consumir, se reproduzir e ascender socialmente. Mas parece que entre os seres humanos surgem alguns grandes, pela sua vontade indomável e disciplina.que vem para semear o futuro, cujo sentido da vida e da morte são completamente diferentes. 
     Gigantes semeadores. Esta foi a imagem que apareceu em minha mente.     

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