segunda-feira, 16 de setembro de 2013

DESTAQUE



A revolta vermelha
 
 
     Acabei de ler o livro de Marly de Almeida Gomes Vianna (Editora Expressão Popular, São Paulo - 2011), sobre a chamada "Intentona Comunista" de 1935.
     O livro, cuja primeira edição é de 1992, foi escrito com base em pesquisas documentais e entrevistas com os sobreviventes das rebeliões de Natal, Recife e Rio de Janeiro, ocorridas naquele ano.
     É, portanto, um documento importante que se baseia em fontes primárias.
     A postura da pesquisadora mantém um distanciamento bastante honesto dos fatos, apesar da autora ser uma ex-militante do Partido Comunista Brasileiro, PCB, entre 1961 e 1979, segundo ela mesma relata.
     A primeira coisa que salta aos olhos, na medida em que percorremos suas páginas, é o completo desconhecimento da verdadeira história desses eventos, ora satanizados pela direita, ora glorificados pelos militantes comunistas, como uma luta heroica do povo brasileiro.
     Na verdade, o que me surpreendeu foi perceber como conhecemos pouco, ou superficialmente, esse período da história do Brasil, particularmente os anos 1930, mais de oitenta anos depois, e de como a historiografia brasileira ainda não foi capaz de se reconciliar com esse período turbulento, apresentando ao público em geral, particularmente aos estudantes do ensino secundário, uma versão consolidada desses fatos.
     Talvez porque as principais correntes políticas envolvidas nele ainda sobrevivam nos dias de hoje. O PDT, que pretende ser herdeiro de Getúlio Vargas, figura central do período, os partidos nascidos da antiga Arena, da ditadura militar, herdeiros do integralismo e os partidos de esquerda, que mal ou bem se comportam como herdeiros das tradições revolucionárias do povo brasileiro, seja o PCdoB, o PT, o PSB, além do PSOL e outras agremiações menores de tendência trotskista.
     Talvez por isso, por essas paixões terem sido tão fortes e marcantes na história brasileira e ainda estarem tão presentes nos nossos ideários políticos, não foi possível até hoje chegar a um consenso sobre esses acontecimentos que sacudiram o Brasil.
     Além disso o que chama a atenção é a intensidade da agitação política do período, promovida principalmente pelo tenentismo, movimento de cunho militar que se originou nos anos 20 e que propunha a modernização do Brasil, com a industrialização, a moralização da política, a ampliação da democracia e dos direitos civis.
     Esse movimento passou a agitar tremendamente as forças armadas brasileiras, levando a sucessivas revoltas, que começaram com o episódio conhecido como "Os 18 do Forte", uma rebelião no forte de Copacabana, continuou com a Coluna Prestes e uma rebelião em São Paulo, todas na década de 20, com à revolução de 1930, que tomou o poder com Vargas, a revolução Constitucionalista de 1932 e finalmente com a chamada "intentona comunista" de 1935.
     Sobre a revolta de 35 mesmo, é chocante perceber a ingenuidade com que o Partido Comunista se lançou no episódio provocado pelos tenentes, sem uma adequada organização de base entre os operários, sem sequer um plano estratégico, baseado quase que exclusivamente na crença de que um governo militar abriria caminho para uma verdadeira revolução, embarcando na aventura sem perceber o quanto os integralistas (fascistas) estavam entranhados no governo Vargas, e o perigo a que se expunham ao provocá-los num momento em que o nazismo e o fascismo pareciam caminhar rapidamente para dominar o mundo.
     Chama a atenção, também, as distorções históricas construídas pelas mentiras do governo de Getúlio, através de seu chefe de polícia, Filinto Müller, e dos generais integralistas (muitos dos quais participariam do golpe de 64), com a ajuda do jornal O Globo, para convencer a população de que o movimento havia sido orquestrado em Moscou, num momento em que a Internacional Comunista já havia renunciado a tese da revolução mundial e abraçado a causa da revolução em um só país, a União Soviética.
     A figura que surge, enorme, no livro, é a de Luis Carlos Prestes, antigo líder tenentista, depois convertido ao marxismo. Eu, pelo menos, não fazia ideia de como este homem era tão popular nos anos 30 e de como ele inspirou tenentistas e comunistas, na ideia de transformar o Brasil, lançando as palavras de ordem por um Governo Nacional Popular e Revolucionário, que libertasse o Brasil do imperialismo, do latifúndio, da corrupção e da injustiça social, ideias que até hoje permeiam nosso dia-a-dia.
     Ao mesmo tempo é incrível perceber como nesta época Prestes era imaturo como político e até mesmo como pessoa. Criado pela mãe, arrimo de família, tornou-se uma pessoa reclusa e só foi ter sua primeira experiência sexual aos 37 anos de idade, com sua mulher a alemã Olga Benário. Era uma pessoa isolada do mundo, predisposta a viver na fantasia de suas ideias e contido pela sua extrema disciplina.
     O idealismo dele e de toda a cúpula do Partido Comunista os faziam enxergar uma realidade que não existia, comprometendo a capacidade de concretizar seus planos e levando suas iniciativas à uma trágica derrota.
     Apesar de tudo, os episódios de novembro de 1935 conseguiram transformar o PCB num partido importante, inscrevendo seus ideais no imaginário popular brasileiro, construindo um horizonte de utopias que até hoje não se esgotou.
     Muito bom o livro de Marly Vianna, para quem quer entender o Brasil de ontem e de hoje.
     Vale a pena ler.
 


Nenhum comentário:

Postar um comentário