segunda-feira, 11 de março de 2013

DESTAQUE


A Casa da Ponte
A história do morgado dos Guedes de Brito
Portada em estilo barroco hispano-americano, no Paço do Saldanha, casarão construído pelos Guedes de Brito em Salvador no final do século XVII, durante a União Ibérica, entre Espanha e Portugal.

No início do século XVII, um tabelião português, de nome Antonio Guedes, cristão novo nascido em 1560, em Tarouca, Portugal e morto em 7 de setembro de 1621 em Salvador, filho de Rui Guedes e de Ana de Lisboa,  cruzou o atlântico vindo para a Bahia, onde se estabeleceu.
Sua atividade como tabelião permitiu que acumulasse várias sesmarias. Em 28 de abril de 1609, recebeu "6 léguas de chão", entre as nascentes do rio Real e do rio então chamado Paraguay, hoje rio Piauí, no atual estado de Sergipe. Em 21 de julho do mesmo ano, recebeu mais 10 léguas entre os rios Inhambupe e Itapicuru. Em 12 de abril de 1612 recebeu mais 5 léguas e as glebas intermediárias e adjacentes de suas sesmarias, os chamados "sobejos" (sobras). Em 7 de maio de 1612, recebeu mais 10 léguas "em quadra", ao longo do rio Paraguay (Piauí), no leste e sertões,o que significa próximo às suas nascentes.
Antonio Guedes teve filhos de seu segundo casamento, ocorrido por volta de 1596, com Felipa de Brito (morta em Salvador em 9 de dezembro de 1659) unindo os sobrenomes Guedes e Brito.
Em 14 de dezembro de 1612 recebeu mais 10 léguas para os filhos Manoel, Maria, Ana e Sebastiana, das nascentes do Inhambupe (no atual município de Teofilândia, no norte da Bahia) para oeste, em direção à serra de Itiuba. Além disso recebeu em data não especificada 8 léguas entre os rios Sergipe e São Francisco, no atual estado de Sergipe, perfazendo um total de 49 léguas de terras em sesmarias.
Antonio Guedes de Brito era filho de sua filha Maria Guedes e de Antônio de Brito Correia (parente de sua segunda esposa?), e foi batizado em Salvador, a 13 de fevereiro de 1627. Além de receber a herança de terras de seu avô e de seus tios que não deixaram descendentes, ele comprou terras de outros sesmeiros e recebeu, junto com seu pai, 8 léguas próxima as serras de Tanhaçú, 6 léguas entre as nascentes do rio Jacuípe e Itapicurú, e uma sesmaria que ia das nascentes do Itapicurú e Paraguassú, até as margens do Rio São Francisco, de dimensões não especificadas, sob condição de reservar uma légua para cada aldeia indígena existente na área. Essa última sesmaria ele recebeu em sociedade com Bernardo Vieira Ravasco, de quem compraria a metade em 22 de agosto de 1663.
Assim, o tabelião português Antonio Guedes, começou um processo de acumulação de terras, seguido por seu genro Antonio Brito Correia, que institui o Morgado em suas propriedades (antiga instituição legal que dava ao filho primogênito a herança da propriedade, que não poderia ser, então, dividida entre os outros filhos), legando suas terras a Antonio Guedes de Brito, já nascido na Bahia, iniciando à formação de um latifúndio que se estenderia, à princípio, desde o Rio Sergipe ao norte, até a Chapada Diamantina ao sul, e desde a vertente leste da Chapada até o Rio São Francisco.
Antonio Guedes de Brito, em 1650, aos 23 anos, liderou uma bandeira na região de Jacobina, devassando os sertões do Morro do Chapéu. Fez carreira militar chegando a capitão em 27 de fevereiro de 1665, sargento-mor em 10 de outubro de 1667 e mestre de campo em 31 de janeiro de 1671. Participou da junta interina que governou o Brasil de 26 de novembro de 1675 a 15 de março de 1678, foi elevado a fidalgo cavaleiro em 18 de março de 1679.
Em 1681 já era juiz do Senado da Câmara da Bahia e grande proprietário de currais na região de Morro do Chapéu, quando o vice-rei recorreu a ele para restabelecer a ordem no sertão, onde bandoleiros e indígenas promoviam massacres e ataques em várias povoações. Armou, então, uma expedição armada, desbaratando bandidos e índios até o Rio das Velhas, em Minas Gerais, recebendo como prêmio a concessão de vasto território que estendia seus domínios até o distrito do Papagaio, no atual município de Curvelo, próximo à Belo Horizonte.
Localização aproximada das terras recebidas em sesmarias, herdadas, compradas e conquistadas de indígenas por Antonio Guedes de Brito ao final do século XVII.
(Obs. neste mapa constante do trabalho de Erivaldo Fagundes Neves, faltam as terras em Sergipe)
 
Sua condição de militar, mestre-de-campo e grande proprietário de terras, agindo à serviço da coroa, lhe permitiu aumentar ilegalmente suas sesmarias, incorporando as terras que ia conquistando aos indígenas e passando a ocupar uma faixa que ia, de norte a sul, do Rio Sergipe no atual estado de Sergipe ao Rio das Velhas, em Minas Gerais, sempre se limitando à oeste com a margem direita do Rio São Francisco (a margem esquerda pertencia a Pernambuco) e a leste com os contrafortes da Chapada Diamantina, formando um gigantesco latifúndio, incorporado a seu morgado.
     Foi casado mas não teve filhos com a esposa legítima, reconhecendo como herdeira uma filha que teve fora do casamento com Serafina de Souza Dormundo, a quem batizou como Isabel Maria Guedes de Brito.
     Antonio Guedes de Brito teria falecido em 1696,  durante uma expedição à Morro do Chapéu. Sua filha e herdeira, Isabel casou-se com o capitão Antonio da Silva Pimentel, que morreu cedo, deixando-a desamparada com uma filha pequena, Joana da Silva Caldeira Pimentel Guedes de Brito, para cuidar da imensidão de terras constituída por seu morgado.
     Isabel, então, deu ao português Manuel Nunes Viana, que conquistara sua simpatia e confiança, uma procuração para defender seus direitos sobre os imensos domínios herdados do pai.
     Este Manuel Nunes Viana, se estabeleceria em Carinhanha, às margens do Rio São Francisco (atualmente na divisa de Bahia e Minas), fundando várias fazendas na região, dentre as quais a fazenda Jequitaí, onde residiu, e se envolveria em intensos conflitos com os paulistas que descobriram ouro na região dos Rio das Velhas, na década de 1690, provocando a guerra dos emboabas, contra o líder dos bandeirantes, conhecido como Borba Gato.
     A filha de Isabel, Joana Guedes de Brito, casou-se com um fidalgo português, D. João Mascarenhas, que morreu em 1729, sem que o casal tivesse filhos. Joana se casaria novamente, já aos 60 anos, com Manoel Saldanha da Gama, um jovem, filho do vice-rei da índia, que herdaria toda sua fortuna, num autêntico "golpe do baú".
     Dois anos depois, em 1762, Joana faleceu, aos 62 anos, e Manoel casou-se novamente, desta vez em Portugal, tornando-se pai de João de Saldanha da Gama Melo Torres Guedes de Brito, (O sobrenome Guedes de Brito era obrigatório por determinação da verba testamental que instituiu o morgado) que além de ser o herdeiro dos Guedes de Brito, no Brasil, tornou-se também o sexto Conde da Casa da Ponte, em Portugal, título que herdara de um tio sem descendência.
     Juntavam-se, então, os títulos de titular do Morgado dos Guedes de Brito com o de Conde da Casa da Ponte, fazendo com que as terras do morgado ficassem também conhecidas como as terras da Casa da Ponte, que rivalizavam com o outro grande morgado nordestino, da família D'Ávila, conhecido como Casa da Torre.
Ruínas da Casa da Torre, na Praia do Forte.

Com isso, grande parte do sertão da Bahia pertencia as duas famílias, os D’Ávila e os Guedes de Brito. Em 1664, a Casa da Torre iniciou seu deslocamento para o Norte, conquistando mais terras, mesmo que muitas vezes de forma ilícita, chegando a Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, consolidando assim sua expansão.
Pedro Calmon situa as trajetórias dessas duas Casas da seguinte forma:

“Os Ávilas, no seu trajeto para o São Francisco, através do Itapicuru e do Rio Real, insensivelmente procuravam Pernambuco, Ceará-Mirim e Maranhão, eram os homens do meridiano. Guedes de Brito cobiçou o ocidente, o curso superior do São Francisco, o sertão que confiava com os espigões – era o homem do Oeste”.

O extenso sertão baiano se encontrava quase todo em mãos dessas duas famílias, os D’Ávilas possuíam cerca de trezentos e quarenta léguas às margens do São Francisco e os Guedes de Brito cerca de cento e sessenta léguas, entre o morro do Chapéu, na Bahia, até as nascentes do Rio das Velhas, em Minas Gerais, fora as terras ao norte do Morro do Chapéu, até o Rio Sergipe. 
Em diferentes momentos as ambições dessas duas casas iriam se chocar, mas após vários embates, as duas "casas" resolveram amigavelmente suas desavenças, num "tratado de paz" de 1668, em que acertou-se que a Casa da Torre ficaria com a parte Nordeste e os Guedes de Brito (que ainda não tinham herdado o título de Casa da Ponte) ficariam com o sul do São Francisco. Essa trégua refletia o receio dos titulares dos dois morgados em relação aos jesuítas, que se opunham à guerra que eles moviam contra os indígenas com intuito de escravizá-los e conquistar suas terras.
Ao ser aprovada a lei que extinguiu os morgados no Brasil, em 6 de outubro de 1835, já após a independência, as terras da Ponte, corriam pelo sertão de cima, entre Sergipe e Minas Gerais, enquanto as da Torre, corriam pelo litoral, entre Salvador e o Maranhão, incluindo o interior do Ceará e o norte do Piauí, constituindo-se nos dois maiores latifúndios da história do nosso país e talvez do mundo inteiro, conquistados a ferro e fogo aos índios, e também através da influência política junto a corte portuguesa e aos governadores da Bahia.
Os Guedes de Brito passaram mais de um século envolvidos em questões judiciais sobre a propriedade de suas terras, onde cobravam o foro de posseiros e mineradores, que muitas vezes se recusavam à pagar, principalmente em terras atualmente pertencentes a Minas Gerais, depois que no início do século XVIII foi criada a província de São Paulo das Minas, incluindo os atuais estados de Minas, São Paulo, Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
        João de Saldanha da Gama Melo Torres Guedes de Brito, o sexto Conde da Casa da Ponte, chegou a ser governador da Bahia (a capital da colônia já tinha sido transferida para o Rio de janeiro em 1763) e teve a incumbência de receber D. João VI, quando da chegada da corte ao Brasil em 1808, fugindo de Napoleão, cuja primeira parada em portos brasileiros foi em Salvador.
Casou-se com D. Maria Constança de Saldanha Oliveira e Souza, Condessa da Ponte, da qual teve oito filhos, sendo o primogênito e titular do morgado, Manuel de Saldanha da Gama Melo e Torres Guedes de Brito, VII Conde da Ponte, nascido a 1 de março de 1797 e falecido a 30 de maio de 1852, casado com D. Joaquina de Castelo Branco. Além de Manuel, teve ainda outros sete filhos.
Depois da extinção do morgado e da morte do seu último titular, a Condessa da Casa da Ponte e seus filhos venderam tudo que restava do patrimônio da família. As antigas fazendas dos Guedes de Brito, se tornaram então os embriões dos atuais municípios da região, como Jacobina, Morro do Chapéu, Rio de Contas, Brumado, Caetité, Guanambi, Palmas de Monte Alto e muitos outros.
 
O Paço do Saldanha, durante obra de restauro pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, IPAC.
 

A casa dos Guedes de Brito em Salvador, conhecida hoje como Paço do Saldanha foi construída depois que o coronel Antonio Guedes de Brito comprou casas térreas então ali existentes, de propriedade da Ordem 3ª do Carmo, derrubando-as para erigir o solar. Em 1706, a casa passou para sua filha Isabel Guedes de Brito e posteriormente para sua neta Joana da Silva Caldeira Pimentel Guedes de Brito, casada depois com Manuel de Saldanha da Gama, filho do vice-rei da Índia, sobrenome que batizou o solar como o conhecemos hoje, Paço do Saldanha, cuja entrada principal, em estilo espanhol situa-se na Rua Guedes de Brito,14. Este imóvel, hoje tombado pelo patrimônio histórico, foi durante muitos anos a sede do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia e atualmente é a sede da Fundação Cultural do Estado da Bahia, FUNCEB.

Bibliografia consultada:
POSSEIROS, RENDEIROS E PROPRIETÁRIOS: Estrutura Fundiária e Dinâmica Agro-Mercantil no Alto Sertão da Bahia
(1750-1850) Erivaldo Fagundes Neves
Tese de Doutorado em História - Centro de Filosofia e Ciências Humanas - UFPE- 2003
O que há de errado com a história de Morro do Chapéu.
Obs: é impressionante a quantidade de informações erradas e contraditórias que se consegue pesquisando apenas na internet. Muitas pessoas copiam texto e modificam, não citando sua procedência. Confundem dados, acrescentam coisas baseados em "achismos" e omitem informações importantes. A história do morgado dos Guedes de Brito é um exemplo. Conhecido como Morgado da Casa da Ponte, em oposição à Casa da Torre de Garcia D'Ávila, sua história é  complexa. Só a vida de Manuel Nunes Viana, procurador de Isabel Guedes de Brito e suas estrepolias em Minas Gerais, para defender os interesses dos Guedes de Brito e os seus próprios, já daria um livro inteiro.
     Tentei aqui fazer uma recomposição dos principais fatos que levaram a família Guedes de Brito a reunir uma quantidade tão grande de terras entre a Bahia e Minas Gerais, mas esta resenha também está sujeita a erros, portanto, se for servir de fonte de pesquisa, recomendamos que os dados aqui expostos sejam checados.



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