segunda-feira, 4 de março de 2013

POLITICANDO

Tensões



        As coisas foram se acumulando na minha cabeça.
      Durante o carnaval me atirei a uma leitura há muito tempo planejada: o livro Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, cuja resenha está no Destaque desta semana.
      Foram sete dias de retiro, na roça, fugindo da folia e me dedicando a ler e a ouvir a natureza. Pensar é coisa que gosto muito de fazer. Diria que é um dos maiores prazeres da vida. Outro prazer é conversar com gente que pensa também. Quando não posso, escrevo, para conversar de outro modo com os leitores.
       Ler e pensar, ouvir grilos, sapos, ver a lua enchendo a cada noite, ouvir o silêncio.
     Depois, no início da semana, um jovem estudante de antropologia veio me fazer uma entrevista para sua pesquisa. O assunto era patrimônio histórico e discriminação dos pobres da cidade. Embora achasse o tema um pouco recorrente (o patrimônio em geral tomba bens relacionados à história das elites), falei a ele sobre as tensões existentes na cidade, entre as famílias que se dizem tradicionais, em Rio de Contas, que discriminam os negros, os descendentes indígenas e as pessoas que vem de fora.
      Disse a ele que havia uma tensão permanente entre essas famílias, que se achavam donas da cidade, e a população em geral, que reivindica seus direitos republicanos de ser tratada com igualdade de direitos e oportunidades.
        É claro que nem todos os membros dessas famílias tem esse comportamento elitista.
     Muitos são empreendedores, construíram bons negócios, nos quais trabalham todos os dias, formaram filhos que exercem legalmente suas profissões, enfim, vivem integrados no mundo moderno.
     Mas a verdade é que muitos ainda se arrogam direitos superiores aos demais, direitos "de nascença", como se dizia no tempo do império, por pertencerem a esta ou aquela família, e isto gera tensões permanentes no seio desta pequena sociedade, e acham que, por isso, podem usufruir de favores feitos com dinheiro público e ter mais direitos que os "outros".
      Depois da entrevista, ainda fazendo a leitura de Grande Sertão, fui me aprofundando no que eram esses sertões até pouco tempo (100 anos atrás? 80 anos?). Um êrmo perdido na luta entre coronéis, um lugar sem lei, sem futuro, abandonado no tempo, relegado ao atraso. Além do despovoamento de amplas regiões, a política dos sucessivos governos baianos de relegar o interior à própria sorte, levando a migração em massa do povo do interior para a capital, Salvador, ou para São Paulo, drenou as melhores forças de nosso estado, aprofundando o fosso entre o sertão e a região do recôncavo e da capital, onde historicamente se concentraram as ações do governo.
     O livro de Kátia Mattoso, "Bahia, Uma província no Século XIX", retrata e explica bem esse fenômeno.
     Mas voltando à realidade cotidiana do Brasil e do mundo, fiquei pensando na campanha para retirar Renan Calheiros da presidência do Senado. Não são esses caciques que tomaram conta do PMDB, a mesma coisa? Caciques de elites retrógradas regionais, de estados atrasados, como os Calheiros de Alagoas (embora exista um Calheiros no PCdoB) ou os Sarney do Maranhão, usando e abusando dos poderes públicos para se manterem numa elite política e econômica, às custas do povo que eles desprezam?
      Olhando para o cenário internacional também vemos a mesma coisa, quando israelenses acham que podem matar palestinos a vontade, por se acharem superiores. Uma vida de um israelense vale mais que a de um palestino? Não são ambos seres humanos compartilhando a mesma terra, o mesmo planeta? Não é isso que acha o diretor do Corinthians, que disse que a Comebol, foi injusta em punir o clube, só porque um garoto morreu na Bolívia. O que vale mais, a vida de um jovem boliviano ou a renda de um jogo da Libertadores? E se fosse um jovem brasileiro ou norte-americano, ele diria a mesma coisa?
     O que vale mais, a carreira de dois pilotos irresponsáveis norte-americanos ou a de 160 passageiros de um avião da Gol, derrubado porque os americanos resolveram brincar no espaço aéreo brasileiro? A vida de um soldado americano no afeganistão ou a de uma família inteira atingida por um drone, avião não tripulado, num ataque nas montanhas?
       Então concluí que essas tensões não existem apenas na nossa pequena cidade, mas fazem parte de uma luta que se trava em todo o planeta, entre fraternidade e egoísmo, entre civilização e barbárie, entre os que lutam por direitos e os que se arrogam privilégios.
      Para mim este é o conceito entre esquerda e direita. Ser de esquerda, para mim, é lutar pela fraternidade, pelo direito, pela civilização. Ser de direita é lutar por privilégios, pelo "direito" de discriminar, de explorar para acumular riquezas e poder.
      Não importa o rótulo do partido, o que vale é o comportamento dos seus integrantes. Estive em Cuba e vi a negação dos direitos de um povo. Não acho que aquilo seja um regime "de esquerda". O que não quer dizer que eu concorde com a guerra fria que os Estados Unidos impõem àquele país, só porque não conseguiram manter sua dominação que visava transformá-lo em mais um estado norte-americano, como fizeram com Porto Rico.
      Essas tensões estão no mundo e não há como fugir delas. Fazem parte do que os espíritas chamam de um planeta em regeneração, a caminho de se tornar um lugar de paz e fraternidade. Esta é a verdadeira luta que a humanidade trava por seu futuro e que cabe a cada um de nós levar adiante, do seu jeito, com as armas que dispuser.

2 comentários:

  1. Diante de tantas palavras enriquecedoras que tocou profundamente minha consciência o que posso falar aqui é que continue e não deixe de expor seus pensamentos pois você terá eu como sua maior fã.

    ResponderExcluir
  2. Oi Ana Paula Teodoro, estamos honrados pela sua participação e mais ainda pelo seu comentário. Muitíssimo obrigado e continue participando.

    Adriano Araújo e Ricardo Stumpf

    ResponderExcluir