A Justiça fala
As declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, sobre o poder legislativo, são de uma obviedade cristalina. E porque provocaram tantos protestos?
Presidentes da Câmara e do Senado reclamaram que o STF estava interferindo na vida política do país, que não estava contribuindo com os trabalhos legislativos, etc.
Mas o que Joaquim Barbosa disse numa conferência para estudantes, não vai além do que qualquer um pode observar à partir do noticiário da mídia.
Que a pauta de votação do Congresso Nacional está submetida aos interesses do executivo, que manda e desmanda nas votações, através de medidas provisórias e acordos, muitas vezes incofessáveis, entre partidos, para garantir maioria, muitas vezes entregando comissões importantes do parlamento a possíveis adversários (como no caso da Comissão de Direitos Humanos ao pastor Marcos Feliciano) em troca de apoio nas votações.
Isso sem falar no pagamento de propinas a parlamentares, que transformam seus mandatos em balcão de negócios para enriquecimento pessoal, trocando votos por pagamentos em dinheiro vivo, cargos para indicados, ou favores para apadrinhados, como ficou provado no processo do mensalão.
Mais recentemente, o jurista indicado pela Presidente Dilma Roussef para ocupar a cadeira vaga no Supremo, Luiz Roberto Barroso, disse numa palestra que as práticas comuns da política partidária, utilizadas por FHC e Lula foram condenadas no processo do mensalão, e que por isso compreendia a revolta de alguns condenados, pegos por fazer aquilo que todo mundo vinha fazendo há muito tempo.
Na verdade o que se depreende das falas de ambos, é que a prática política brasileira está cheia de vícios, que comprometem a representatividade popular e se tornaram fonte de corrupção, comprometendo todo o processo.
E a fonte da corrupção é o próprio sistema eleitoral, que permite coligações sem nenhuma identidade ideológica ou programática, baseada apenas em interesses particulares, o que torna os partidos e seus programas políticos, meras ilusões, nas quais os brasileiros há muito tempo não acreditam mais.
"São todos iguais", é o que diz o povo. Vox populi, vox Dei, a voz do povo é a voz de Deus.
Mas os políticos andam tão empenhados em fingir que são sérios e honestos, que seus partidos tem ideias e propostas dignas, que se esqueceram de ver que o povo não acredita mais neles. Preferiram continuar fingindo que tudo era verdade, até que alguém com a integridade desinteressada da criança da fábula, disse que o Rei estava nu.
Agora se fazem de indignados porque os juizes da Suprema Corte dizem a verdade nua e crua, de que os acordos espúrios corroeram toda a estrutura partidária brasileira, transformando nossas eleições em um grande e dispendiosos conchavo, fonte das maiores falcatruas e práticas nocivas ao interesse público.
Fazer uma reforma política, para acabar com isso, passa pela reconstrução das identidades partidárias, que só é possível acabando com as coligações, permitindo a existência de candidatos independentes que representem minorias, atribuindo os mandatos eletivos aos candidatos mais votados individualmente (acabando com a transferência de votos dentro das coligações), implantando o voto distrital para que os deputados representem suas regiões e não seus Estados inteiros, elegendo os suplentes de senador pelo voto popular (e não por indicação do senador eleito, como ocorre atualmente), corrigindo a representatividade proporcional dos estados, que faz com que um deputado por Roraima valha 15 vezes mais que um de São Paulo, fraudando na prática a proporcionalidade garantida pela Constituição.
Nada a ver com a reforma partidária que José Dirceu preconizava, que queria engessar o voto dos eleitores, obrigando-o a votar em um partido, que depois escolheria quem deveria assumir os mandatos, aprofundando o sistema de conchavos e tirando poder dos cidadãos.
Na ausência de um debate autêntico no parlamento brasileiro, amordaçado e corrompido por este sistema de "trocas" com o executivo, o poder judiciário começou a legislar em defesa dos direitos constitucionais dos cidadãos, como no caso dos casamentos de pessoas do mesmo sexo, e vem substituindo o poder legislativo na defesa dos interesses da nação.
Parece que este modelo está se esgotando e nos levando rumo a uma reforma eleitoral ampla, que aprofunde a democracia e a representatividade daquele que é, por definição, o dono do poder: o povo.
Enquanto isto não ocorre, a justiça fala por nós.
Enquanto isto não ocorre, a justiça fala por nós.