ABC de Castro Alves
Acabo de ler esta obra de Jorge Amado, lançada em 1941, (na edição da Companhia das Letras, São Paulo -2010), na sua primeira fase, quando o grande escritor baiano estava comprometido com a luta política, inspirada pelo Partido Comunista Brasileiro, a que pertencia.
O gênero ABC, de origem européia, segundo o posfácio de Domício Proença Filho, "é uma composição poética" ...composta de "versos agrupados em estrofes iniciadas pelas letras do alfabeto em sua ordem natural".
"Frequentador assíduo da literatura oral e popular brasileira, o ABC privilegia a louvação. Exalta a valentia cangaceira, a excepcionalidade de animais do campo; registra os feitos e acontecimentos famosos. Insere-os, mitificados e aurificados, no imaginário popular. E valoriza, nesse mister, a superação da dificuldade do obstáculo. Sua marca primeira é constituir o registro de um acontecimento real... Trata-se de uma modalidade de poesia frequente na voz popular declamadora nas paisagens nordestes, nos garimpos e entre os vaqueiros do sul."
No caso do ABC de Castro Alves, Jorge Amado opta por nomear os capítulos com as letras do alfabeto e faz a narrativa dirigindo-se a uma mulher, sua interlocutora, a quem ele chama ora de amiga, ora de negra, como se estivessem sentados à beira de um cais, em frente ao mar.
Utilizando-se dessa forma literária, ele faz uma biografia do grande poeta baiano, narrando seus maiores feitos, sempre na forma de exaltação, típica do gênero.
Não é, portanto, uma biografia isenta, mas uma glorificação declarada do seu personagem.
A maior qualidade do texto é (para os que não conhecem a vida de Castro Alves, como era o meu caso) tomar contato com a extensão e a profundidade de sua obra. Na verdade, seu poema mais conhecido é o Navio Negreiro, que sobreviveu aos 142 anos passados desde sua morte prematura, aos 24 anos. Lendo este ABC, no entanto, ficamos sabendo de sua luta política, fundando a primeira sociedade abolicionista brasileira, quando era estudante de direito no Recife, e da grande influência que teve sobre toda a literatura brasileira, especialmente a poesia, que até então andava perdida nas divagações sobre a morte e os amores impossíveis, longe da realidade social de uma nação que afundava no atraso da monarquia e na barbárie da escravidão, enquanto o resto da América e do mundo já entrava na revolução industrial.
Castro Alves foi o vento de renovação na literatura e na política brasileira, acordando a nação para o futuro e para a construção de uma sociedade moderna e democrática.
Consagrado aos 20 anos por grandes nomes da literatura brasileira da época, como José de Alencar, Machado de Assis, Fagundes Varela e outros, conquistou o público das maiores cidades brasileiras de então, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, formando as gerações que 20 anos depois realizariam o sonho da abolição e da República.
É muito impactante para nós que vivemos uma época de conformismo e dominação das consciências pela mídia, perceber o romantismo com que essa luta foi feita, em meio a amores loucos, e à revoltas estudantis que sacudiram a nação.
Não há separação entre as tragédias pessoais de Castro Alves e seus ideais de luta e transformação que incendiaram o Brasil de então. É tudo um mesmo despertar de paixões, de amor pelas mulheres, pela natureza, pela pátria e pelos sonhos de justiça e liberdade.
É sem dúvida uma leitura que empolga, apesar das restrições que possamos ter por esse tipo de exaltação. Na verdade o que empolga não é o livro, mas a história desse brasileiro, que jogou sua existência na luta política e pela fé no amor e na vida.
Os trechos de suas poesias, elencados por Jorge Amado, e as notas com que ele vai completando as informações sobre o seu personagem, com todas as referências aos pesquisadores, vão nos dando um panorama completo desse verdadeiro gigante que foi Castro Alves, nos mostrando que ele foi muito mais do que o autor de O navio negreiro, muito mais que um poeta, tendo inclusive realizado uma obra teatral importante, na época, "Gonzaga", sobre a Inconfidência Mineira, revelando que ele foi acima de tudo um líder e um formador da nossa nacionalidade.
Leitura essencial para quem quiser entender a vida e a obra deste grande brasileiro, que estão a merecer mais livros e, quem sabe, um filme que nos descortine o que foram os acontecimentos daquela época e seus personagens, tão esquecidos por nós atualmente.
Falando ao povo de São Paulo sobre seus ideais republicanos, Castro Alves declama:
Responde o espectro: "A desgraça!
Que a realeza, que passa,
Com o sangue da vossa raça,
Cospe o lodo sobre vós!..."
Leiam!
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